Opinião

Artigo: Tempo curto

No próximo ano, o governo enfrentará as eleições municipais. Elas, na verdade, darão a partida na caminhada em direção às eleições gerais de 2022

André Gustavo Stumpf*
postado em 17/09/2019 09:00
No próximo ano, o governo enfrentará as eleições municipais. Elas, na verdade, darão a partida na caminhada em direção às eleições gerais de 2022

A clássica disputa entre o protagonismo dos políticos e a luta dos economistas para controlar o tempo no governo no país aparece, de novo, na administração Bolsonaro. O presidente até agora não tornou claro seu projeto para os quatro anos em que pretende ocupar o Palácio do Planalto. Aparentemente, ele trabalha, dia após dia, em favor de sua reeleição. Não há planos, metas ou objetivos, além daquele. O ministro Paulo Guedes, ao contrário, pilota o projeto ultraliberal que pretende vender ativos do governo, privatizar tudo ou quase tudo para reduzir o tamanho do Estado.

O projeto é factível, mas esbarra em problema específico. Demanda tempo. Não é possível realizar muito, nesta seara, a curto prazo. Privatizações exigem estudos prévios, avaliações periciais e judiciais, conversas com possíveis compradores, discussões sobre investimentos e garantias. Trata-se de processo longo, custoso e necessariamente detalhista. Ao lado desse projeto, cheio de boas intenções, prospera um desemprego assombroso herança dos desmandos do governo Dilma Rousseff. O desempregado aponta o dedo acusador contra o governo.

No próximo ano, o governo enfrentará as eleições municipais. Elas, na verdade, darão a partida na caminhada em direção às eleições gerais de 2022. É importante, para os partidos, eleger o maior número de prefeitos, construir palanques e articular os apoios nos estados. Na próxima eleição não haverá coligação partidária ; ou seja, os partidos vão competir sozinhos, embora possam ocorrer coligações informais. Novidade importante. E o governo não deu uma palavra, não indicou algum caminho para sinalizar a retomada do crescimento econômico e a consequente redução dos alarmantes índices de desemprego.

Além disso a produção industrial brasileira de julho caiu 0,3% em relação a junho. As expectativas de retomada do crescimento, a partir dos números do Produto Interno Bruto, recentemente divulgados, que apontavam para um resultado melhor, viraram fumaça. A produção industrial atual é equivalente à de janeiro de 2009. Uma década de estagnação. O ministro Paulo Guedes, contudo, é uma fera no mercado financeiro.

Mas nunca trabalhou em governo, no Brasil. Foi professor em universidade em Santiago do Chile ao tempo de Pinochet. Viu as reformas lá realizadas com clara inspiração da escola de economia de Chicago, onde fez seus estudos superiores. As reformas chilenas ocorreram sob o manto protetor dos militares. Não havia oposição nem a menor possibilidade de manifestação contrária. Foi assim que os economistas lá realizaram a reforma da Previdência que, até hoje, provoca movimentos de repulsa. Os resultados econômicos do país vizinho são positivos, mas exigiram décadas para produzir resultados e tiveram inspiração numa pavorosa ditadura militar.

O Brasil de hoje vive um processo de desindustrialização. Os juros básicos estão no menor patamar histórico. No entanto, a distância entre o juro básico e aquele cobrado do tomador final é incompatível com a rentabilidade esperada por qualquer atividade produtiva. Não há indicadores de retomada da demanda. Esse descolamento entre projeto e realidade abre a brecha para a futura crise da atual administração. O país vai chegar perto das eleições municipais sem ter trabalhado na base de seus principais problemas econômico-financeiros.

No Brasil, o descompasso entre política e economia usualmente produz crises de bom tamanho. Para não voltar muito na história, basta lembrar o ano de 2013, quando os assessores da presidente Dilma Rousseff não souberam interpretar o que estava ocorrendo nas ruas. A política econômica anticíclica havia provocado desemprego, paralisado a indústria e o comércio. O resto da história é conhecida. O petismo rolou escadas abaixo e deixou uma herança pesada.

O problema do atual governo é tempo. O prazo é curto para obter bons resultados na economia e nos índices de emprego. Os empresários precisam se entusiasmar para investir e criar empregos. Comerciantes fecham as portas em todo o país. Somente produtores rurais estão em condições de plantar, gerar empregos e recursos em moeda forte. Mas dependem da infraestrutura que é capenga. Agredir dirigentes estrangeiros, andar com revólver na cintura e discutir a instalação de radares nas rodovias federais não ajudam a modificar este cenário preocupante. O ano de 2020 promete uma boa crise. O ministro Paulo Guedes deve ter previsto o problema. Mas até agora não apresentou solução.

*Jornalista

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