Luís Fernando Figueira da Silva*
postado em 22/09/2019 11:19
Escrever sobre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é como falar sobre o samba algo muito íntimo para mim. Presentes desde muito cedo na minha vida, tanto o samba, quanto o CNPq, ambos ritmaram e embalaram minha trajetória pessoal e profissional (e, por acaso, há diferença?). Pela redução significativa do seu orçamento ocorrida nos últimos anos e pela ausência de correção nos valores das bolsas de estudo, vejo ameaçado este que foi um ; senão o único ; dos projetos de Estado que neste país atravessaram diversas décadas. Talvez a ele esteja reservado o destino do samba, que agoniza, mas não morre, pois alguém sempre lhe socorre. Porém, é nesta hora de incerteza, na qual vacila o pesquisador que vislumbra um suspiro derradeiro, que recordo ao ver ameaçado aquilo que me trouxe até aqui, pois não consigo apenas ficar debruçado na janela vendo o bando passar espalhando ódio e desamor.Em um tempo que, hoje, se confunde com as lendárias sereias-rainhas do mar, primeiro houve o projeto de iniciação científica. Ele me fez descobrir o misterioso mar da pesquisa, abrindo as comportas para um oceano de conhecimento. Como eu, diversos outros jovens, de todas as áreas do conhecimento, puderam beber na fonte daqueles desbravadores que haviam retornado dos seus doutoramentos no exterior. De alguma forma, esses regressados sempre me lembraram das Tias que trouxeram o samba da Bahia, baluartes de uma pesquisa que se inventava. Vieram, então, os muitos sambas e canções de Chico, que, durante o mestrado, me trouxeram os primeiros personagens do que viria a descobrir como sendo o grande circo místico da ciência. Alguns desses personagens retornariam mais tarde para viver e navegar nos imprecisos barcos da pesquisa, indo e vindo ao sabor dos temas de pesquisa e dos coorientados.
Partir para o doutorado no exterior com bolsa do CNPq foi também um mergulho passado da minha terra, pois os três apitos de Noel e as lágrimas do Samba do avião sempre me chamavam de volta para minha pátria carioca. Naquele momento, quando escolhi meu tema de tese, a primeira coisa que pensei foi ;isso dá samba; ; e samba científico deu, creio eu. Mais tarde, ao retornar para casa, quando o samba mandou me chamar, foi o programa de fixação de doutores do CNPq que não me fez perder o trem das onze, e a lindeza do renovado carnaval carioca mostrou que pode, sim, existir o céu na terra.
Essa renovação também se operava na minha área de pesquisa, com o retorno de uma grande leva de (então) jovens que haviam se doutorado no exterior, trazendo consigo outras palavras, todos cheios de euforia para desfilar. Daí, na coordenação de uma rede nacional de pesquisa, apoiada pelo CNPq e pelo MCT, descobri outros ritmos e outras rimas, por meio dos infinitos particulares de colegas que também lutam, dia após dia, por essa maravilha de cenário. E ao longo do tempo e dos diversos auxílios à pesquisa, dos encontros e despedidas, do reforço dos temas de estudo ou da descoberta de novos caminhos de investigação, vivem-se gentes, formam-se alunos, como quem faz um crochê, uma renda, um filó.
Talvez esse conto fale apenas de coisas banais que só têm utilidade (para machucar o nosso amor pela pesquisa), talvez represente o que a minha geração de pesquisadores teve a felicidade de viver, quando contribuímos para realçar (quanto mais purpurina, melhor) a níveis internacionais de qualidade o patamar da ciência feita no Brasil. E a preencher de bambas as universidades brasileiras. O certo é que nada disso teria sido possível sem a presença firme da cadência bem marcada do nosso CNPq, que nunca foi uma remota batucada, mas a batuta central do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia brasileiro. É por isso que hoje deixo ao sambista/pesquisador mais novo um pedido, na esperança de que não seja o final: não deixe o CNPq morrer. Para que seus pés possam pisar na avenida, mesmo que minhas pernas possam não aguentar.
* Professor associado, PUC-Rio, bolsista de produtividade em pesquisa, CNPq