Ressalte-se que a prisão em primeira ou segunda instância é praticamente regra nos países democráticos. No Brasil, além dos períodos ditatoriais, houve exceção apenas entre 2009 e 2016, por motivo que beira o surreal: mudou-se o entendimento, durante o julgamento de um habeas corpus no Supremo, para livrar da cadeia um fazendeiro que sacou a arma, em meio a uma exposição agropecuária no interior de Minas Gerais, e atirou cinco vezes num jovem. Tudo porque o rapaz teria ;cantado; a mulher dele. Preso em flagrante, o fazendeiro rico foi solto no mesmo dia e nunca pagou pelo crime, que acabou prescrevendo. Em 2016, o então ministro Teori Zavaski conseguiu, com argumentos óbvios, levar o plenário a restabelecer a prisão em segunda instância. Desde então, ;garantistas;, sob o aplauso de advogados criminalistas e de parlamentares suspeitos de atuar em causa própria, tentam recuperar a chave da cadeia.
Qualquer pessoa alfabetizada é capaz de entender o ;X; da questão. Basta ler o que estabelece o inciso LVII, do artigo 5; da Constituição: ;Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;. Ora, no Brasil, apenas a primeira e a segunda instâncias julgam ações penais de réus sem foro privilegiado. Depois da condenação nesses dois graus de jurisdição, já não existe presunção de inocência. E os recursos a tribunais superiores, como o Supremo e o STJ, em praticamente 100% dos casos, costumam ser meramente protelatórios. Tenta-se manter o réu solto não porque seja inocente, mas para que a pena prescreva sem que ele pague pelo crime que cometeu.
Há uma causa para a retomada da ofensiva dos ;garantistas;. É que, no meio do caminho, apareceu a Lava-Jato. Já não se trata apenas do raro caso de prisão de uma figura endinheirada. Mas de condenações de empresários corruptos e de políticos ladrões até então intocáveis. Ao contrário de uma batalha jurídica, o que se trava é uma guerra política e, em jogo, está a possível restauração da impunidade. Caso o STF decida pelo fim da prisão em segunda instância, bandidos do colarinho-branco, com dinheiro para pagar grandes bancas advocatícias, ainda que às custas do assalto aos cofres públicos, nunca mais serão presos. Traficantes, latrocidas, homicidas e feminicidas cheios da grana e de finos advogados também não irão em cana, é bom ressaltar. É muito triste que, por questão de afinidade com ladrões supostamente socialistas do bem, tanta gente trabalhe e torça pelo retrocesso. Pelo quanto pior, melhor.