Arnando Castelar*
postado em 25/09/2019 09:00
Quando a delação da JBS inviabilizou a reforma da Previdência, ao focar a atenção do governo Temer em impedir o afastamento do presidente do cargo, temeu-se pela estabilidade econômica, em um quadro em que a situação fiscal seguia precária e a dívida pública em trajetória explosiva. Três âncoras impediram que os preços dos ativos financeiros despencassem e o país mergulhasse em nova crise financeira. Primeira, a Emenda Constitucional 95, que criou o Teto de Gastos, colocando um freio ao ritmo acelerado de aumento de gasto público. Segunda, a elevada liquidez internacional, em especial no contexto de um dólar que perdeu valor na maior parte de 2017.Por fim, a perspectiva de eleições presidenciais em outubro de 2018. Essa se tornou ainda mais fundamental em 2018, quando as condições financeiras externas pioraram e a greve dos caminhoneiros expôs a fraqueza política do governo. A visão era de que em menos de um ano haveria nova administração, fortalecida pela vitória nas urnas e, como é normal, no primeiro ano de um novo governo, este conseguiria aprovar novas reformas, que viabilizariam o necessário ajuste das contas públicas. Nesse contexto, especialmente com as contas externas em ordem, seria caro e arriscado apostar contra ativos brasileiros.
Essa avaliação se mostrou correta. O primeiro ano do novo governo viu a manutenção da política de contenção do gasto público e o avanço da reforma da Previdência no Congresso, o que foi fundamental para permitir manter a inflação sob controle, enquanto se cortava a taxa Selic para o menor patamar da história, com a promessa de novos cortes ainda em 2019. A dívida continuou aumentando, mas em ritmo mais lento, enquanto o risco país caiu e o mercado doméstico de capitais teve rápida expansão.
O enredo político, porém, foi bem diferente do previsto. Esperava-se que o presidente liderasse esse processo, formando uma coalizão partidária no Congresso Nacional, a partir da sua elevada popularidade. Seria o Executivo a comandar o processo de reformas e a dúvida era o quanto seria capaz de avançar até que a popularidade presidencial começasse a cair, como normalmente acontece ao final do primeiro ano de governo.
Na prática, porém, o governo abandonou o chamado presidencialismo de coalizão, o presidente praticamente não se envolveu com as reformas e foi o Congresso que liderou esse processo. Um bom exemplo é a reforma tributária, em que há projetos avançando na Câmara e no Senado, há proposta dos governos estaduais e municipais, mas não há ainda uma proposta do governo federal.
Não há nada de intrinsecamente errado com isso. Pelo contrário, é bom que o Congresso seja mais autônomo e que se abra espaço para maior participação da sociedade no debate e no desenho das políticas públicas. Isso dará maior equilíbrio na atribuição de responsabilidades pelo eleitor e alongará o período para aprovar reformas para além do primeiro ano de governo.
Em condições normais, portanto, uma participação muito retraída do Executivo, em especial do presidente, não é um grande problema. No entanto, é no atual contexto, tanto por atrasar o processo de reformas, que é em si uma fonte de incerteza, como por enfraquecer a coalizão a favor da sua aprovação.
Este o ano, o PIB brasileiro deve outra vez crescer 1,1%, o mesmo que em 2017 e 2018. Para sair desse patamar e acelerar o crescimento, o investimento precisa se recuperar da queda de 32% ocorrida entre o segundo trimestre de 2013 e o último de 2016. Em especial, com um quadro externo que vai ficando cada vez mais complicado, fechando a porta para crescermos exportando mais. Para o investimento se recuperar, é preciso reduzir a incerteza. Mesmo com os juros mais baixos e a aprovação da reforma da Previdência, os investidores vão continuar retraídos se não tiverem clareza sobre para onde vai o país.
Para isso, é fundamental reduzir o radicalismo político e a incerteza que este traz sobre o futuro do país. Preocupa-me, nesse sentido, ver que já começa a campanha para as eleições de 2022. Na minha visão, não é hora para isso. Basta termos em 2020 as eleições municipais, que vão, naturalmente, reduzir o envolvimento de deputados e senadores na discussão das reformas no Congresso, ao mesmo tempo que elevam sua sensibilidade às demandas dos grupos de pressão. Deslanchar agora a disputa eleitoral só vai atrasar as reformas e elevar a incerteza, prejudicando a recuperação da economia.
*Coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/URFG
*Coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/URFG