Opinião

Um importante passo civilizatório

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 29/09/2019 04:15

A aprovação no Congresso Nacional da Lei de Abuso de Autoridade representou um grande avanço para enfrentar e coibir um cotidiano de arbitrariedades enfrentado pelos cidadãos brasileiros. A lei anterior datava de 1965 e, evidentemente, necessitava de atualização. A nova lei, na forma aprovada no Congresso, inclui tema especialmente importante para a advocacia e a garantia do direito de defesa do cidadão: a criminalização da violação das prerrogativas do advogado. A proposta aprovada vale para todas as autoridades, do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo, e significa a subordinação de todos, inclusive dos mais poderosos, ao império da lei. Trata-se, portanto, de preservar e garantir o direito do cidadão, diante de eventual abuso da força por um agente do Estado.

Os grandes avanços obtidos nos últimos tempos no combate à corrupção, com a independência e o melhor aparelhamento do Ministério Público e dos órgãos de investigação, estarão preservados e aprimorados. Qualquer denúncia de abuso de autoridade será investigada e julgada pelo próprio Judiciário, e a OAB tem plena confiança que nosso sistema jurisdicional será capaz de fazer cumprir a lei, com razoabilidade e imparcialidade, como determina nossa Constituição.

Cabe ressaltar que a sensibilidade da Câmara e do Senado, ao derrubar os principais vetos feitos pelo presidente da República, evitou que se anulassem os efeitos da nova legislação. Entre eles, os artigos que criminalizam a violação de prerrogativas dos advogados, como a inviolabilidade do escritório, comunicação com os clientes, negação do acesso ao interessado ; ou ao seu advogado ; aos autos investigatórios.

Durante o processo legislativo, a advocacia brasileira, ciente de seu papel de guardiã da sociedade civil, se mobilizou em defesa do projeto. São inúmeras as situações em que os advogados são impedidos de exercer sua profissão, em total prejuízo à defesa. Não são raros os momentos em que o direito de defesa tem sido violado e flexibilizado, inclusive por aqueles que têm o dever funcional de tutelá-lo, como magistrados e promotores.

Apesar do nome, prerrogativa do advogado, esse dispositivo é, na verdade, uma garantia para o cidadão. Quando qualquer pessoa precisa de um advogado, percebe como é indispensável que ele tenha liberdade e instrumentos para sua atuação, que possa sustentar da melhor forma seus argumentos, que tenha garantida a paridade de condições entre as partes envolvidas ; isso em qualquer caso, seja uma questão familiar, de propriedade, tributária, de direito do consumidor, criminal etc. Assim, uma advocacia mais forte, mais independente, mais proativa, é interesse sobretudo do cidadão. É por esse princípio que a OAB e toda a advocacia lutam.

Roberto da Matta, destacado estudioso da cultura brasileira, afirma que o ;sabe com quem está falando?;, que tanto ecoa no cotidiano do cidadão comum, revela um rito informal de autoridade na vida social do país. Trata-se de um autoritarismo rotineiro, especialmente nos momentos em que os ;donos do poder; têm seus interesses pessoais confrontados. Aos cidadãos comuns, o rigor da lei; aos ;donos do poder;, os privilégios e a faculdade de exercer, permanentemente, o arbítrio e, com isso, a possibilidade de dizer que manda e desmanda o país. Portanto, a nova lei é importante, equilibrada e quebra o histórico desequilíbrio de forças, o desamparo da população e a injustificável cultura do ;sabe com quem está falando?;. Sua aprovação favorece o cidadão, a Justiça e significa importante passo civilizatório.

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