Opinião

Artigo: Metrópoles com múltiplas feições e problemas socioespaciais

Com o status metropolitano, Brasília é comparável às demais grandes cidades brasileiras, no entanto, a capital é uma metrópole incompleta

Aldo Paviani*
postado em 30/09/2019 09:00
Com o status metropolitano, Brasília é comparável às demais grandes cidades brasileiras, no entanto, a capital é uma metrópole incompletaNa planta urbana das metrópoles brasileiras, é perceptível o centro mais edificado e denso e as periferias mais rarefeitas e extensas. Estas se estendem por vales, ao longo das margens de rios e encostas, galgando morros, como é o caso do Rio de Janeiro, de Salvador, de Porto Alegre e outras. A Brasília metropolitana não possui vales ou morros para moradia dos menos abonados, todavia apresenta distâncias entre cada uma das 33 Regiões Administrativas (RAs) e o centro, o Plano Piloto de Brasília. No caso das metrópoles tradicionais, surge a imagem de fragmentação e segregação socioespacial. A evolução urbana e as atividades econômicas pesquisadas resultaram em grande acervo bibliográfico em que foram avaliados os problemas urbanos e respectivas soluções para os tomadores de decisões.

Brasília é considerada a terceira metrópole brasileira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com classificação assumida pela Universidade de Brasília, pela Codeplan e por diferentes governos do Distrito Federal, há anos. Com o status metropolitano, a capital é comparável às demais grandes cidades brasileiras. Todavia, é bom lembrar a afirmação do geógrafo Milton Santos: ;Brasília é metrópole incompleta;. É incompleta, em relação às outras metrópoles porque a capital federal é destituída de parque industrial. Por exemplo, na ;indústria da construção;, há emprego para apenas 4,1% da população economicamente ativa (PEA). A ;indústria de transformação; emprega 3,1% da PEA. Por isso, Brasília depende dos serviços, que ocupam 61,2% da PEA, e da função pública, 12,4% da PEA, segundo pesquisa do Dieese, Codeplan e Setrab/GDF, de julho de 2019. Com isso, não é correto considerar que Brasília seja a cidade do funcionalismo público. É uma cidade de serviços diversos.

As grandes cidades possuem gargalos e problemas crônicos. Na área da saúde, nem sempre os municípios metropolitanos possuem estrutura ; física, como hospitais, UPAs, ambulâncias ; ou pessoal, como médicos e enfermeiras. São insuficientes para atender demandas crescentes. Outro dado que não se divulga suficientemente é o envelhecimento da população: as pirâmides etárias, publicadas pelo IBGE, mostram o Brasil com pirâmide etária com base estreita ; o que significa menor número de crianças nas faixas de 0 a 9 e de jovens de 10 a 14 anos; na idade adulta, as faixas etárias se alargam e, acima dos 80 anos, os idosos ampliam a parte superior da pirâmide. Então, com mais idosos, a tendência e ter aumento gradativo das demandas hospitalares, de medicamentos e de uso de ambulâncias. Outro problema é a expansão populacional, pois as estimativas recentes indicam que a capital superou os 3 milhões de habitantes. A pressão populacional torna crônico o problema de saúde em Brasília. Ademais, a capital atende também pacientes vindos de outros estados. As ambulâncias trazem enfermos de municípios como do sul do Piauí, do sul do Maranhão, do oeste da Bahia e do interior de Goiás. Há uso de clínicas e hospitais particulares por parte da população local e de fora. Muitas deficiências operacionais ocorrem por questões gerenciais e/ou por falta de orçamentos compatíveis com as demandas crescentes.

Devido à centralidade das atividades, a mobilidade no DF é outro nó que atravessa gerações de administradores. Em parte, porque há deficit de transporte público e porque o DF não possui trem suburbano, cujos ramais poderiam se estender para todas as cidades-satélites. Os fundadores poderiam ter implantado um metrô eficiente, uma vez que o que foi construído já é deficitário e não atende todo o DF.

Resta o transporte por ônibus. A população reclama que esse modal não atende a cidade, cuja frota e linhas são insuficientes e também porque o uso é mais intenso (e precário), nos picos da manhã, no sentido RAs-Plano Piloto. No meio das manhãs e das tardes, a mobilidade é menor e os ônibus ficam estacionados junto ao estádio Mané Garrincha. Ao fim do dia, o transporte opera no sentido Plano Piloto;RAs, não dando conta da procura dos que se dirigem às suas moradias, inclusive por parte dos moradores da periferia metropolitana.

Em resumo, propugnamos por ações de descentralização e desconcentração de atividades. Com isso, tudo o que puder ser transferido para fora do centro metropolitano poderá ser alocado nas RAs, pois elas terão maior status se forem ;relativamente autônomas em relação ao núcleo metropolitano; (como definido pelo Instituto Panamericano de Geografia e História). Esse é o caso de Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Gama, Sobradinho e de subcentros, que começam a surgir. A mudança do perfil centralizado será o grande desafio para a Capital e para todas as metrópoles brasileiras.

*Geógrafo, professor emérito da UnB e membro do N-Futuros/ Ceam/UnB e do Neur/Ceam/UnB

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação