André Gustavo Stumpf*
postado em 01/10/2019 09:00
Os constituintes de 1988 tiveram a melhor das intenções. Era preciso criar uma instituição, autônoma, destinada a defender as leis, os bons procedimentos jurídicos e salvaguardar a Constituição. Foi com base nesses princípios que a surgiu a nova Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público. São instituições independentes capazes de propor ações objetivas e diretas contra quem, segundo o juízo deles, violou leis ou contrariou o texto constitucional.A intenção era nobre e justificada pela defesa da ordem jurídica nacional. Porém, os organismos que concentram poder em excesso não encontram limites na sua atuação, terminam desbordando para o exagero e o corporativismo. O Ministério Público passou a integrar o esquema de poder que circunda o Palácio do Planalto e partiu para confrontar o Supremo Tribunal Federal. Esse embate contribuiu apenas para jogar suspeitas sobre as verdadeiras razões dos procuradores.
A história mostra esse fenômeno com clareza capaz de ferir até olhos menos sensíveis. Na Revolução Francesa, aqueles que utilizaram a guilhotina à farta terminaram eles mesmos vítimas da sua máquina de matar. Aqui no Brasil, o enorme dispositivo parlamentar de apoio à presidente Dilma Rousseff se desintegrou rapidamente quando percebeu a oportunidade de permanecer no poder em melhores condições. Aderiu ao futuro. Muito poder resulta em tragédia.
O Ministério Público terá que se refazer. Desde o processo de escolha de seu procurador-geral até seus métodos de investigação e trabalho. O episódio relatado por Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, é assustador. Ele pensou em matar um ministro do Supremo Tribunal Federal, dentro do STF. E pior do que isso, revelou sua trama criminosa a repórteres com a maior naturalidade, com o objetivo aparente de promover as vendas de seu livro de memórias. A farta exposição na mídia não fez bem ao antigo homem forte da Procuradoria. Ele gosta dos holofotes ainda que ao custo de ser chamado de facínora.
Rodrigo Janot denunciou duas vezes o então presidente Michel Temer. Na primeira delas, teve o cuidado de vazar o conteúdo para um jornal carioca. Montou a cena da acusação, mas foi obrigado a voltar atrás quando foram percebidas as vulnerabilidades da acusação, obtidas por gravação realizada sem autorização judicial. Na segunda denúncia, houve procurador que atuou nos lados do balcão. A favor da PGR e, depois, em benefício do réu. Uma confusão pesada que só pode ser explicada por uma cegueira temporária, originada na vontade férrea de derrubar o presidente.
O confronto entre o pessoal da Lava-Jato com os ministros do Supremo Tribunal Federal provocou efeitos colaterais na relação entre Sérgio Moro e Jair Bolsonaro. A confusão é geral. O governo insiste em não montar um sistema eficiente na Câmara e no Senado. Perdeu o protagonismo. Na Câmara quem manda é seu presidente Rodrigo Maia. No Senado, o presidente, da nova geração, David Alcolumbre ainda procura seu caminho. Oscila entre permanecer com jovens ou cair nos braços da velha política. E como não há liderança definida naquela Casa, as decisões não obedecem a nenhuma lógica. Falta uma liderança.
Sugerir que Rodrigo Janot perca o porte de arma ou faça tratamento psiquiátrico é pouco diante do estrago feito nas reputações de ilibado saber jurídico e comportamento inatacável. Todos, inclusive os inocentes, estão envolvidos nesse processo de destruição de prestígios. Enquanto isso, a famosa reforma da Previdência ainda não foi aprovada. Ninguém conhece o texto da reforma tributária e o governo comemora o discurso do presidente na Assembleia da ONU. Resultado prático, nenhum. Estrago diplomático, algum.
O desemprego persiste em níveis elevados, a inflação recua, as taxas de juros estão em queda nas tabelas oficiais. No balcão de negócios dos bancos não há qualquer alívio. A sensação de momento é de que o governo todo está sendo reajustado por um princípio que ainda não se revelou. O Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal estão às turras. O governo não tem projeto definido. Caminha pelas definições de Paulo Guedes que, por sua vez, encontra limites dentro da própria equipe. O relacionamento entre governo e Congresso não se definiu, não se organizou e, até agora, não aponta no sentido de qualquer definição. A ação mais consistente do presidente Bolsonaro é no sentido de colocar o filho na posição de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Todo o resto é desprezível. O país está à deriva.
*Jornalista - especial para o Correio