postado em 11/10/2019 04:15
O combate à corrupção no país nasceu antes de as redes sociais e as recentes mobilizações populares. Ele faz parte do cotidiano institucional do país, está desatrelado de governos e partidos e está materializado em jurisprudências, leis específicas formuladas pelo Congresso e procedimentos judiciais norteados pela Constituição Federal.
Ainda que a atuação do Judiciário tenha mais visibilidade em alguns casos de maior apelo midiático, a contribuição desse Poder para o enfrentamento da criminalidade tem sido constante ao longo das últimas décadas. Do contrário, não existiriam casos como o do Mensalão e o da Lava-Jato, que conseguiram bons resultados contra a impunidade. Mas também não haveria discussões sobre os excessos cometidos nessas operações, de modo a coibir abusos e garantir os direitos e liberdades individuais dos cidadãos.
Nesta semana, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sediou a assinatura do Provimento 88/2019, da Corregedoria Nacional de Justiça. Tive a honra de representar a advocacia, designado por nosso presidente Felipe Santa Cruz. A nova norma incluiu os notários e registradores nos esforços de combate e prevenção à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Trata-se de uma medida concreta contra a prática de criminosos que usam operações imobiliárias para mascarar recursos oriundos de atividades ilegais e nocivas à sociedade.
A iniciativa do CNJ nasceu de seu presidente, ministro Dias Toffoli, e ganhou corpo com a atuação firme e democrática do corregedor nacional, ministro Humberto Martins, que conduziu o processo com o apoio de seus juízes auxiliares e em parceria com os diversos interessados. Participaram das discussões integrantes da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), da magistratura, da advocacia, das polícias, do Ministério Público, do Ministério da Justiça e dos cartorários, representados pelo Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF).
Apesar de não ter o apelo midiático de uma grande operação, esse é mais um dos inúmeros episódios em que o sistema de Justiça contribui efetivamente para o fortalecimento institucional do país no combate ao crime organizado e à corrupção. O Brasil não precisa de heróis, mas, sim, do fortalecimento de suas instituições democráticas, de um Judiciário eficiente, uma advocacia forte, um Ministério Público responsável e de uma imprensa livre.
Ao buscar a ampla participação de todos os envolvidos no debate, as lideranças do Judiciário demonstram a sensibilidade necessária para perseguir que as novas normas sejam sólidas, equilibradas e duradouras, dentro dos limites da atuação estatal e com a segurança jurídica necessária aos atos praticados pelas autoridades públicas.
É no contexto amplo, de cada pequena medida, que devemos analisar o grande impacto positivo do Judiciário na sociedade e no combate à corrupção. Nos últimos anos, com a politização exacerbada e com o maniqueísmo que tomou conta da sociedade, surgiram muitas teorias conspiratórias para explicar a concessão de habeas corpus e demais medidas que visam a assegurar a correta aplicação da lei e a credibilidade da Justiça. A análise isolada de cada decisão, ignorando a obrigação de prezar pela estabilidade do Estado democrático de direito, leva a conclusões sem respaldo na realidade. Evitar, acima de tudo, a permeabilidade do sistema ao abuso e ao erro significa preservar a democracia e a segurança, que são pilares civilizatórios.
Justamente nesse sentido, o STF protagonizou nos últimos anos a discussão sobre o avanço da instrumentalização legal do país para o combate à corrupção, promovendo pactos republicanos, como os de 2004 e de 2009, ambos com a participação dos poderes Executivo e Legislativo. Derivam deles, por exemplo, as leis que aprimoraram a punição à lavagem de dinheiro, permitiram a colaboração premiada e aumentaram a transparência na gestão pública. Somente assim, com irrestrito respeito às leis e à Constituição de 1988, que se combate o crime.