Opinião

Artigo: As almas mais honestas

Os brasileiros que aplaudem a Lava-Jato, maior operação de combate à corrupção da história do país, temem um golpe fatal na força-tarefa e no enfrentamento ao crime

Plácido Fernandes
postado em 14/10/2019 04:14
Os brasileiros que aplaudem a Lava-Jato, maior operação de combate à corrupção da história do país, temem um golpe fatal na força-tarefa e no enfrentamento ao crime
Nunca antes na história de uma democracia, bandidos aplaudiram tanto uma suprema corte quanto a do Brasil, por um conjunto de decisões recentes. Uma delas, a de proibir que servidores do Coaf (que agora se chama UIF) e da Receita alertem imediatamente o Ministério Público quando perceberem movimentações financeiras suspeitas. Outra, que parece feita sob medida para destruir a Lava-Jato, a de criar norma inexistente no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecendo que réu delatado tem o direito de apresentar alegações finais depois de réu delator. E, agora, teme-se que determine a mais abrangente e temida de todas: a de que condenados só podem ser presos após esgotado o último recurso no STF. Ou seja: praticamente, nunca.

Observem o conjunto da obra: todas as decisões são favoráveis a quem comete crime. Em nenhum dos casos, busca-se a proteção da sociedade contra malfeitores. No caso dos órgãos de inteligência, funciona assim no mundo inteiro: caso percebam indícios de ilegalidade, têm a obrigação de alertar imediatamente para ajudar o Estado a agir o mais rápido possível contra o suposto larápio. Agora, eles só poderão avisar depois que a Justiça ; ;cega;, como bem sabemos, e com a ;rapidez; que lhe é peculiar ; autorizar. Vazaram a informação e constrangeram o magistrado? Ora, apure-se e puna-se quem cometeu o ilícito. Simples assim. Mas, fechar os olhos ao crime?

No caso do réu delatado, o vexame perpetrado pelo STF, de usurpar o lugar do Legislativo e legislar para desmontar a Lava-Jato, foi explicitado em plenário por integrante da própria corte, o ministro Marco Aurélio Mello. ;Passa a transparecer a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito em termos de responsabilidade penal, com o famoso jeitinho brasileiro. E o que é pior: em benefício não dos menos afortunados, mas dos chamados tubarões da República;, disse Mello. Na mosca. Eis a questão: danem-se os milhões de brasileiros prejudicados pelos ladrões que roubaram bilhões dos cofres públicos, dinheiro que tanta falta faz a hospitais, escolas, estradas, segurança, investimentos para criar empregos...

Agora, os brasileiros que aplaudem a Lava-Jato, maior operação de combate à corrupção da história do país, temem um golpe fatal na força-tarefa e no enfrentamento ao crime: o fim da prisão em segunda instância. Enquanto países põem criminosos na cadeia logo após julgamento na primeira instância, como Estados Unidos, Reino Unido e França, ministros do STF dizem ver, na Constituição, dispositivo segundo o qual, inacreditavelmente, réus mantêm a ;presunção de inocência; mesmo após condenados em até três graus de jurisdição. Pior: alegam que essa gente só pode ser presa depois de o STF bater o martelo no caso. Basta saber ler para ver que não há nada disso na Constituição. Mas não se trata da lei e do que está escrito. Sem ;notório saber jurídico;, jamais vamos entender que nossos bandidos são as almas mais honestas deste país! Certamente, roubam pelo nosso bem e não compreendemos. São os verdadeiros guerreiros do povo brasileiro.

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