Sônia Consiglio Favoretto*
postado em 14/10/2019 04:14
Na maior parte da minha trajetória profissional, sempre busquei aproximar o setor financeiro das causas sociais e ambientais. Isso se deu pelo encaminhamento normal da minha carreira e por uma forte crença de que essa seria a nova tônica mundial. Agora, à frente do Board da Rede Brasil do Pacto Global, deparo-me com um outro desafio similar, o do financiamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agenda global de sustentabilidade firmada em 2015 pela ONU e seus países-membros e que deve ser cumprida até 2030. A implementação da Agenda 2030, como é conhecida, tem um gap estimado de US$ 2,5 trilhões. Sem esse dinheiro, será muito difícil conseguirmos atingir plenamente os ODS.
Com essa premência em mente, iniciamos em 2019 essa discussão no Brasil e no mundo. Aliás, dentro da estrutura do Pacto Global, nosso país foi pioneiro em endereçar o assunto, pois sediou, em março, o primeiro Fórum de Investimento em ODS, que ocorreu em São Paulo, na B3, e reuniu lideranças de empresas, investidores e representantes do governo e de agências da Organização das Nações Unidas (ONU), fórum que ocorrerá em várias partes do mundo.
Queremos ; e precisamos ; mostrar que os ODS não se resumem a projetos sociais e ambientais. Não representam algo descolado do negócio. Eles indicam as principais tendências. O relatório Better Business, Better World aponta US$ 12 trilhões em oportunidades de negócios geradas pelos ODS até 2030, apenas em quatro setores: alimentos e agricultura, cidades, energia e materiais, e saúde e bem-estar. A conquista dos ODS pode criar 380 milhões de novos postos de trabalho até 2030. Ou seja, desenvolvimento e crescimento econômico estão intrinsecamente ligados à sustentabilidade. Hoje, não há mais espaço para serem vistos de forma separada.
Ao mostrar as principais tendências, os ODS também refletem as transformações da sociedade que vêm acontecendo a um ritmo nunca antes visto. Muitos desses movimentos ocorrem para atender aos grandes desafios que se apresentam, como as mudanças do clima. Segundo a IFC, o Acordo de Paris demandará, até 2030, quase US$ 23 trilhões em investimentos em tecnologias inteligentes relacionadas às questões climáticas, apenas considerando alguns países emergentes. Assim, acompanhar e fazer parte desse processo de transformação é questão de sobrevivência. A complexidade atual do cenário exige das empresas, além de produtos e serviços de qualidade, uma postura ética e em alinhamento a princípios, um modelo de negócios que avalie as questões ambientais e sociais, e que se reinvente o tempo todo a partir dessas necessidades urgentes.
Olhando esse cenário de dentro do mercado de capitais, vejo um movimento muito positivo, pois os grandes investidores estão cada dia mais envolvidos e atuando como protagonistas da agenda da sustentabilidade. Começamos a colher os frutos de anos de trabalho árduo e de resultados financeiros consistentes e que corroboram a relação do desempenho com as boas práticas ambientais, sociais de governança, conhecidas no mercado financeiro como práticas ESG, na sigla em inglês. Na série histórica, por exemplo, as ações das empresas que integram o ISE B3, o Índice de Sustentabilidade Empresarial brasileiro, têm performance superior se comparadas ao Ibovespa, o principal índice da B3.
Ainda nesse contexto de investidores, é imperativo citar as duas últimas cartas anuais de Larry Fink, CEO da Black Rock, a maior gestora de ativos do mundo (que gerencia o equivalente a três PIBs brasileiros), aos CEOs das empresas que fazem parte de sua carteira. Em ambas, ele destacou a importância de se contribuir positivamente para a sociedade, ter um senso de propósito para prosperar a longo prazo, conseguir atingir seu pleno potencial e não perder a licença dada pelos públicos para que a organização opere. É muito emblemático ver um executivo como Fink com esse posicionamento. Isso significa que, felizmente, o mundo vem mudando.
E esse novo perfil de investidor, que avalia cautelosamente os riscos de uma gestão desalinhada com questões sociais e ambientais, é um estímulo para o avanço dos ODS, pois faz com que as empresas se reinventem e repensem toda a sua forma de atuação. Junto com o investidor está o consumidor, ativista e acompanhando os movimentos positivos e negativos das marcas. Sou muito otimista e acredito que esse duplo impulso intensificará a destinação de recursos para a agenda global de sustentabilidade. Os negócios ganham, pois ficam mais competitivos, e a sociedade evolui. É mais do que hora de imprimir escala e agilidade no processo de inserção dos ODS nas estratégias empresariais.
Para finalizar, quero deixar uma mensagem compartilhada recentemente por Lise Kingo, CEO do Pacto Global. Ela disse que ;os negócios são uma força real para o bem e que a mudança transformacional necessária para criar um mundo melhor depende do conhecimento e dos recursos das empresas;. Alguém ainda tem dúvida disso? Pergunto-me todo dia. Se sim, precisamos correr ainda mais para esclarecer o que ainda precisa de luz e avançar rapidamente nesse caminho.
*Presidente do Board da Rede Brasil do Pacto Global, SDG Pionner e diretora de Imprensa, Sustentabilidade, Comunicação e Investimento Social da B3