Opinião

Artigo: Judas ou Pilatos?

A decisão do presidente norte-americano, Donald Trump, de retirar os poucos militares do nordeste da Síria, na região chamada de Curdistão sírio, expôs os curdos a uma ofensiva militar da Turquia

Rodrigo Craveiro
postado em 16/10/2019 04:16
A decisão do presidente norte-americano, Donald Trump, de retirar os poucos militares do nordeste da Síria, na região chamada de Curdistão sírio, expôs os curdos a uma ofensiva militar da TurquiaDurante vários anos, os Estados Unidos forneceram apoio às Unidades de Proteção Popular (YPG), milícia curda que combateu ferozmente o Estado Islâmico e transformou vários jihadistas em prisioneiros de guerra. Com as armas repassadas por Washington, os curdos conseguiram repelir a ameaça representada por mujahedine (guerrilheiros islâmicos) que trancafiavam seus inimigos em jaulas dentro de piscinas, ateavam fogo a rivais acorrentados e se explodiam para fazer o maior número de vítimas em atentados suicidas. Atrocidades registradas por poderoso aparato de propaganda.

A decisão do presidente norte-americano, Donald Trump, de retirar os poucos militares do nordeste da Síria, na região chamada de Curdistão sírio, expôs os curdos a uma ofensiva militar da Turquia. Ancara considera as YPG uma organização terrorista, em meio a um ranço alimentado pelos anseios separatistas curdos em território que abrange parte da Turquia. Tal qual Judas Iscariotes, Trump traiu seus maiores aliados. Assim como Pôncio Pilatos, lavou as mãos ante uma incursão turca para massacrar os curdos em uma terra arrasada por oito anos de guerra civil.

Ao perceber o erro que cometera, Trump garantiu que não abandonara os curdos e avisou que manteria militares na região. Também impôs sanções ao governo de Recep Tayyip Erdogan. Além de mergulhar a região em um novo front, o republicano amargou efeito colateral dos mais dantescos: vários jihadistas do Estado Islâmico fugiram de campos de prisioneiros improvisados mantidos e supervisionados pelas YPG. O imperialismo norte-americano abriu a caixa de Pandora.

Um cenário em que os mujahedine retomassem seu califado islâmico e avançassem rapidamente pela região, ou mesmo rumo à Europa, representaria uma derrota inadmissível dos Estados Unidos. Seria o revés da luta antiterrorista ante o individualismo do Tio Sam, que, mais uma vez, mancha as suas mãos de sangue. Não apenas o sangue de rebeldes curdos, mas também o de civis inocentes, vítimas de bombardeios turcos e expostos a violações dos direitos humanos comuns em zonas de conflito.



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