Opinião

Artigo: Programa Trabalho Seguro

''O Brasil ocupa lugar constrangedor no ranking mundial de acidentes de trabalho. O problema é velho, mas não decorre da falta de legislação''

Almir Pazzianotto Pinto*
postado em 20/10/2019 11:27
[FOTO1]Em mais uma das suas felizes iniciativas, o Tribunal Superior do Trabalho, sob a batuta do presidente ministro João Batista Brito Pereira, promoveu o 5; Seminário Internacional do Programa Trabalho Seguro, cuja coordenação foi entregue à ministra Delaíde Alves Miranda Arantes. O Brasil ocupa lugar constrangedor no ranking mundial de acidentes de trabalho. O problema é velho, mas não decorre da falta de legislação. O empregado integrante do mercado formal, com registro em carteira e inscrito no sistema previdenciário, goza de amplo leque de garantias, entre as quais se inclui o auxílio-acidente concedido ao segurado, como indenização, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza que reduzam a sua capacidade para o trabalho.

A situação mais controvertida é do infortúnio de trajeto, conceituado pelo art. 19 da Lei n; 8.213/1991, que dispõe sobre os planos de benefícios, como o que ocorre ;no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado;. A mesma lei determina, no art. 121, que ;o pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem;.

As estatísticas revelam a majoritária participação de acidentes de trajeto nos acidentes de trabalho. Segundo dados apresentados pela Confederação Nacional da Indústria, extraídos das estatísticas da Previdência Social, houve aumento de acidentes da ordem de 41,2%, no período compreendido entre 2007 e 2013, com predominância de acidentes de trajeto.

Basta se observar o trânsito na Região Metropolitana de São Paulo para se entender o que sucede. A utilização de motocicletas, bicicletas e patinetes em veículos de serviço, converteu rodovias, ruas e avenidas em pistas de alta velocidade, onde cardumes de motociclistas, ciclistas e patinetistas arriscam a vida em manobras suicidas para transportar documentos, pacotes, alimentos. É comum a moto conduzir o carona, multiplicando os riscos para o motociclistas e terceiros. O cenário paulistano se repete em grandes, médias e pequenas cidades do interior do Estado e em outras capitais. O motoqueiro se integrou definitivamente ao mundo que conhecemos, com os aspectos positivos e negativos da nova profissão. Brasília, com largas avenidas, é convite irresistível para pilotagem em altas velocidades.

O poder disciplinar do empregador não chega ao ponto de lhe permitir determinar o meio de transporte usado pelo empregado. Milhões de trabalhadores paulistas se utilizam do metrô, do trem metropolitano, de ônibus. Quem dispõe de recursos usa táxi ou automóvel. Centenas de milhares, entretanto, das mais distintas camadas sociais, usam inseguras motocicletas e bicicletas.

A Lei n; 8.213/1991 contém aspectos positivos. Exige, entretanto, reafirrma para retirar do empregador a responsabilidade pela livre escolha do veículo por parte do empregado. A Lei n; 7.418, de 16/12/1985, sancionada pelo presidente José Sarney, instituiu o vale-transporte, destinado a antecipar ao empregado gastos ;em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa;. Não dá ao patrão, todavia, o direito de ordenar ao empregado o meio de transporte.

O vulgarmente conhecido motoboy ou motoqueiro é personagem surgida no fim do século passado, para atender as exigências não satisfeitas pelos serviços dos Correios. Sem ele, as atividades econômicas seriam travadas. Alguém disse que, se as motos vierem a ser trocadas por automóveis, o trânsito entrará em colapso. O número desses trabalhadores deu um salto de aproximadamente 40% em apenas 20 anos. As motocicletas representam 20% do total de veículos registrados no Estado. Em 1997, eram 1.740.069; hoje alcançariam 5,6 milhões. Estamos diante do maior mercado de trabalho informal.

Cultivamos o hábito de forçar a adaptação da realidade ao abstrato universo da lei. Os resultados são sempre funestos. Nesse sentido, o melhor exemplo é a Constituição de 1988. Impor ao empregador a responsabilidade pelo acidente causado pelo empregado, que transita da casa para o trabalho, ou do trabalho para a academia, o bar, a faculdade ou a residência, resultou, como era de se esperar, no incremento à informalidade. Ciente dos riscos a que está sujeito, o empresário recorrerá ao mercado informal, onde encontrará motoqueiros e ciclistas desempregados, com vontade de trabalhar.

*Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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