Plácido Fernandes
postado em 21/10/2019 04:18
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"De tanto ver crescer a injustiça.
De tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus (...)"
Rui Barbosa
É triste constatar que o célebre jurista baiano tinha razão: vai chegar a hora em que teremos vergonha de ser honesto. Enquanto os mais perversos ladrões dos cofres públicos estão prestes a comemorar uma grande vitória, a sociedade roubada assiste, perplexa, ao julgamento que pode decretar o fim da prisão em segunda instância no país. Caso o STF decida pelo retrocesso, juízes criminais alertam que o Brasil se tornará exceção entre os 193 membros da ONU. Ou seja: se a meia dúzia de ministros do STF estiver certa, juristas do mundo inteiro estarão errados.
Nos países democráticos, em 99% das vezes ou mais, réus começam a cumprir pena depois de condenação em primeira ou segunda instância. No Brasil, sempre foi assim, com exceção de um curto e vergonhoso hiato entre 2009 e 2016. Por que vergonhoso e por que mudou nesse breve período? Mudou porque chegou ao STF o caso de um fazendeiro que deu cinco tiros num homem que estaria "cantando" a esposa dele. O rico fazendeiro, veja só que causa nobre, ficou impune. Caminhamos para o tempo prenunciado por Rui Barbosa? É o que tudo indica.
A meia dúzia de ministros do STF alega que Constituição garante a presunção de inocência de um réu, até que o STF decida o contrário. Para isso, dizem se basear no artigo 5;, inciso LVII, da Carta Magna. Mas há controvérsia: se o entendimento que eles dizem ter do texto estiver correto, outro inciso deste mesmo artigo, o LXI, que trata da prisão, seria inconstitucional. Como assim? Veja o que dispõe o inciso LVII: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". E o que diz o LXI: "Ninguém será preso exceto em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente".
Logo, com base no inciso LXI, a reclusão no Brasil pode ocorrer não apenas em segunda instância, mas também em primeira, a depender da "ordem escrita e fundamentada" da juíza ou do juiz do caso. Os dois incisos estão em contradição? Não. E sabe por quê? Porque nem o STJ nem o STF julgam crimes de bandidos sem foro privilegiado, e, sim, a primeira e a segunda instâncias. Logo, é lá que a sentença transita em julgado. Depois disso, há apenas recursos extraordinários, meramente protelatórios na maioria dos casos. É esse, praticamente, o entendimento universal.
Por que, então, garantistas, e até pessoas contrárias ao fim da prisão em segunda instância, falam que o "trânsito em julgado" se estende até último recurso no STF, e usam expressões como "cumprimento antecipado de sentença" e "principio constitucional da presunção de inocência"? Porque a narrativa da elite jurídica do país, em causa própria, se impôs, se tornou vitoriosa e é repassada, com ares de verdade, até a estudantes de direito nas universidades. Beneficia, sobretudo, as grandes bancas criminais, que lucram milhões com bandidos que nos assaltam, depois as contratam e passam a debochar da sociedade, exigindo atestado de inocência no Supremo. Em breve, poderão, também, requerer a prisão dos juízes que ousaram condená-los. Pelo andar da carruagem, é bom Sérgio Moro tomar cuidado.