Opinião

Artigo: Novos tempos para a inovação no país

''Diante das graves dificuldades pelas quais as universidades públicas estão passando, parece que o pesquisador brasileiro começa a entender que precisa sair do casulo''

Nelson Mussolini*
postado em 23/10/2019 12:12
[FOTO1]A indústria farmacêutica estabelecida no Brasil avança na pesquisa e desenvolvimento (P) de medicamentos no país. E, superando um longo período de desconfiança, as universidades estão se tornando parceiras do setor nesse esforço. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) atuam em diversos projetos de P na área farmacêutica.

Trata-se de uma mudança profunda e bem-vinda. Há não muito tempo, era um sacrilégio falar que "o capital" estava entrando na universidade para fazer pesquisa. A tese era a de que o setor privado queria ;dominar a universidade;. Boa parte da comunidade acadêmica no país achava que patentear um medicamento e ganhar dinheiro com isso era crime contra a humanidade. Mas o fato é que o processo de inovação demanda altos investimentos e, no mundo moderno, ninguém faz investimentos sem ter retorno.

O ambiente está melhorando, mas bolsões de resistência persistem. Veja-se a polêmica sobre a possibilidade de as universidades públicas federais receberem doações de empresas privadas. Apesar disso, o antigo viés ideológico vai dando lugar a uma visão realista e benéfica para o país.

A universidade brasileira sempre produziu papers de qualidade, mas tinha dificuldade em transformar a teoria em prática, ou seja, em inovação. Agora, diante das graves dificuldades pelas quais as universidades públicas estão passando, parece que o pesquisador brasileiro começa a entender que precisa sair do casulo, se dá conta de que investimentos do setor privado podem contribuir para a manutenção dessas instituições.

Grandes universidades internacionais, como as do hub científico-tecnológico de Boston (EUA), têm departamentos que vendem pipeline, isto é, as pesquisas desenvolvidas dentro de seus centros de P que têm potencial de ser convertidas em produtos. As universidades brasileiras ainda não têm essa tradição. Menos conhecido, o exemplo da Nova Zelândia é inspirador. Desde os anos 1980, é incentivada a parceria entre universidades e o setor privado, o que fez daquele país referência mundial de inovação, segundo reportagem recente do Valor Econômico. Projetos de pesquisa da University of Auckland geram uma receita de US$ 152 milhões por ano. E a universidade neozelandesa tem um escritório de comercialização de pesquisas que faz a ponte com as empresas.

A indústria farmacêutica é um dos segmentos que mais investem em P no Brasil, segundo levantamento do pesquisador Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo. As farmacêuticas fazem parte de um seleto grupo de 13 setores de alta e alta-média intensidade tecnológica do qual também participam produtores de aviões, softwares, informática e eletrônicos e automóveis, entre outros. Mas os investimentos em P no país ainda são relativamente baixos, quando comparados aos dos 36 países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por exemplo, em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, os países da OCDE investem 28% do valor adicionado bruto ante 5% no Brasil. O difícil ambiente econômico brasileiro (Custo Brasil) e entraves específicos da indústria farmacêutica, como o controle de preços e a alta carga tributária, afetam a rentabilidade das empresas e inibem investimentos em inovação.

Além disso, é preciso levar em conta o porte da indústria farmacêutica instalada no Brasil. As maiores farmacêuticas multinacionais faturam cerca de US$ 22 bilhões por ano cada. O mercado farmacêutico brasileiro, no varejo, gira hoje em torno de U$ 20 bilhões. Ou seja, o investimento em P de um único grande laboratório internacional é superior ao do conjunto da indústria farmacêutica brasileira. Ainda assim, os investimentos em P da área farmacêutica ocupam a quinta posição no Brasil, atrás dos segmentos de equipamentos de transporte, informática e eletrônicos, químicos e veículos.

O Brasil precisa, portanto, criar um ambiente favorável para que cientistas com pesquisas na área farmacêutica apresentem esses trabalhos para as indústrias que estão atuando e investindo ativamente em P, o que deve contemplar também a modernização do marco regulatório na área de Pesquisas Clínicas. Assim, estará contribuindo para o desenvolvimento tecnológico e a melhoria da saúde do país. A indústria farmacêutica agradecerá, pois é por meio da inovação que o setor descobre e fabrica produtos que salvam vidas. Este é o nosso negócio.

* Presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde

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