Opinião

Artigo: Abrindo a caixa-preta do BNDES

Começamos a abrir a caixa-preta do BNDES, mas há muito trabalho por fazer

Paula Belmonte*
postado em 28/10/2019 09:15
[FOTO1]Mesmo tendo como prioridade uma atuação em favor da primeira infância, fui incumbida logo em meu primeiro mandato da missão de ingressar na Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga contratos internacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, a CPI do BNDES, como 1; vice-presidente.


O BNDES é uma empresa pública federal cujo principal objetivo é o financiamento de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira. Logo no início dos trabalhos da CPI, descobri que esse objetivo foi desvirtuado ao me deparar com evidências de desvios de bilhões de reais dos cofres do banco estatal para beneficiar empresas brasileiras prestadoras de serviços em outros países, no período dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, de 2003 a 2015, especialmente a Odebrecht e a JBS.

E mais grave. Os recursos foram canalizados para países alinhados ideologicamente com os governos do PT e que não tinham condições de garantir o cumprimento dos contratos. Venezuela, Moçambique e Cuba não estão em dia com seus empréstimos junto ao BNDES e já acumulam mais de meio bilhão de dólares em parcelas atrasadas.

Isso ocorreu graças a uma mudança de avaliação de risco promovida pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), que alterou sem nenhum tipo de estudo determinações sobre os riscos de empréstimos a países que, em condições normais, não poderiam tomar recursos do BNDES, porque tinham risco elevado.

Em resumo, ficou claro ao longo das investigações que houve uso deliberado do BNDES para interesses políticos dos governos do PT, que resultaram em uma dívida que, no final de 2018, já alcançava o montante de R$ 315 bilhões em subsídios creditícios e financeiros.

Mudar práticas ilegais, acabar com a corrupção e punir os responsáveis não são tarefas fáceis de executar. Ao incomodar interesses de grandes empresários, nos deparamos com a força do poder econômico, que, infelizmente, ainda exerce muita pressão nos parlamentares. A velha aliança dos irmãos Joesley e Wesley Batista e de Marcelo Odebrecht com o PT foi retomada para impedir que nosso trabalho na CPI fosse concluído com êxito.

O relatório inicial da CPI previa o indiciamento de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, mas o relator da comissão decidiu retirar os nomes dos ex-presidentes do relatório, em acordo com os deputados do PT e da oposição, para facilitar a aprovação do texto.

Fui contra a manobra e apresentei um voto em separado pedindo não só o indiciamento de Lula e Dilma, mas também de integrantes do núcleo técnico do banco que foram coniventes com boa parte das irregularidades. Dez deputados da comissão me apoiaram nessa proposta, mas a pressão para concluir os trabalhos foi mais forte e não houve tempo hábil para aprovação desses pedidos de indiciamento.

Apesar das pressões e acordos de última hora, obtivemos uma vitória parcial. O relatório final foi aprovado com o pedido de indiciamento de mais de 50 pessoas, entre elas os irmãos Batista, Marcelo Odebrecht e os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci.

Começamos a abrir a caixa-preta do BNDES, mas há muito trabalho por fazer. Os contratos investigados pela CPI equivalem a apenas 1,3% dos recursos investidos pelo banco. O que investigamos na comissão é apenas a ponta do iceberg de um grande esquema de corrupção.

A aprovação do relatório da CPI significou um primeiro passo para passar o Brasil a limpo. Mas não vamos parar por aí. Vou encaminhar pedidos de investigação aos órgãos de controle. Também vou propor mudanças no Regimento Interno da Câmara para evitar que deputados que não participaram na comissão entrem de última hora para tumultuar os trabalhos, como ocorreu na CPI do BNDES, com cinco trocas de parlamentares no último dia.

Por fim, gostaria de relatar um episódio emblemático ocorrido na CPI que me marcou profundamente. Em todas minhas intervenções, sempre faço questão de mostrar minha indignação com o uso indevido dos recursos públicos, que poderiam ser utilizados para melhorar as condições de vida de nossas crianças. Em uma dessas intervenções, deputados da oposição utilizaram tom de deboche para atacar minha fala em defesa da primeira infância. Triste do país em que parlamentares tratam com desdém os direitos das crianças. Esse episódio só reforçou minha convicção em defesa das crianças e da utilização correta e honesta dos recursos públicos.

*Deputada federal (Cidadania-DF)

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