Opinião

Artigo: Empreender no Brasil

A ideia básica por trás dessa mudança de modelo econômico é clara: o setor privado deve ocupar o espaço antes tomado pelo Estado

Armando Castelar*
postado em 30/10/2019 09:00

[FOTO1]Desde 2015, e com mais força após o impeachment de Dilma Rousseff, diferentes equipes econômicas têm se esforçado para mudar o modelo econômico que imperou no Brasil desde os anos 1930. Nesse modelo, o Estado tinha um papel central, sendo responsável por investir, diretamente, ou por meio de empresas estatais, e por dar crédito subsidiado, isenções tributárias, proteção tarifária e vantagens regulatórias para empresas privadas dispostas a investir onde a burocracia estatal considerava importante.

A partir de 2015, devido, de um lado, ao predomínio de equipes com uma visão mais liberal de mundo, e, de outro, à necessidade de impedir a explosão da dívida pública, se adotaram reformas que vêm contendo a intervenção do Estado na economia. Dois indicadores ajudam dimensionar o cavalo de pau que foi dado.

Primeiro, o crescimento das despesas primárias do governo central, englobando União, INSS e Banco Central. De 1997 a 2014, essas aumentaram, em média, 6,27% ao ano (a.a.), já descontada a inflação. Desde então, e até os 12 meses terminados em agosto de 2019, essa taxa de crescimento caiu para uma média de 0,16% a.a.

Segundo, o volume de desembolsos do BNDES. Na mesma comparação, mas considerando apenas os nove primeiros meses de cada ano, vemos que, de 1997 a 2014, os desembolsos do banco aumentaram a um ritmo médio de 8,9% ao ano, enquanto nos cinco anos seguintes eles caíram, em média, 26,1% a.a., nos dois casos já descontada a inflação. A preços constantes de 2019, os desembolsos do BNDES foram menores nos primeiros nove meses de 2019 do que em igual período de 1997.

A ideia básica por trás dessa mudança de modelo econômico é clara: o setor privado deve ocupar o espaço antes tomado pelo Estado, aproveitando a inflação baixa e a forte redução no custo de financiamento privado para expandir seus investimentos e fazer a economia crescer. O problema é que até aqui isso não ocorreu. No todo, o Brasil investiu, no primeiro semestre de 2019, 26% menos do que em igual período de 2013.

É com esse pano de fundo que se devem analisar os resultados do recém-divulgado Doing Business 2020, elaborado anualmente pelo Banco Mundial. Esse estudo mostra que o Brasil ainda tem um longo caminho pela frente para tornar sua economia mais atrativa para o empreendedor privado. Não que não tenhamos progredido; sim, o fizemos. As reformas microeconômicas dos últimos anos, como a reforma trabalhista, o cadastro positivo, a nova legislação relativa ao distrato, a duplicata eletrônica e a recém-aprovada Lei da Liberdade Econômica, para citar apenas algumas, têm contribuído para elevar nossa nota no Doing Business, que vem subindo quase continuamente desde 2015.

O problema é que essa melhora tem sido muito lenta. Como outros países têm melhorado mais rapidamente, seguimos caindo na posição relativa: entre a edição do ano passado e a deste ano, por exemplo, caímos da 116; posição para a 124;, entre 190 países. Isso significa que não nos tornamos competitivos em atrair investimentos, que encontram um ambiente mais amigável em muitos outros países.

Mais importante ainda, porém, é que essa lenta melhora é incompatível com a velocidade com que estamos transferindo responsabilidades, e expectativas, para o setor privado. O que fazer então?

O Doing Business considera 10 indicadores distintos. Os cinco em que vamos pior envolvem o relacionamento com o setor público: pagar impostos (184; posição), obter licença para construção (170;), abrir uma nova empresa (138;), registrar um imóvel (133;) e realizar uma exportação ou uma importação (108;). Outras pesquisas semelhantes ao Doing Business, como a feita pela Fórum Econômico Mundial, mostram um quadro semelhante, em que o empreendedor privado é obrigado a lidar com uma burocracia pública custosa e uma regulação que eleva significativamente o risco de investir e empreender.

Essas pesquisas dão um mapa claro de onde precisamos trabalhar se queremos conseguir que, de fato, o setor privado lidere uma retomada mais forte do crescimento econômico no Brasil. O governo tem um papel fundamental nesse processo, mas sozinho ele não conseguirá mudar as coisas na velocidade de que o país precisa, como mostrou a experiência dos últimos anos. A sociedade precisa abraçar essa agenda, não apenas reforma a reforma, mas como um projeto mais amplo de melhorar o ambiente de negócios no país. E a imprensa tem um papel fundamental nisso, explicando e cobrando.

*Coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/URFG

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