Opinião

Artigo: É hora de escutar Emicida

"AmarElo" é daqueles materiais que vale ser ouvido até por quem não está acostumado a consumir rap

Adriana Izel
postado em 05/11/2019 04:06
[FOTO1]Em momentos de crise (seja econômica, seja sociopolítica), a impressão que se tem é de que a criatividade artística se aguça. Num período em que muitos artistas e o mercado valorizam o single (a música que é lançada sozinha), o álbum ; daqueles completos, que a gente escuta inteiro em sequência ; volta a mostrar força. A dois meses da chegada de um novo ano já dá para dizer que 2019 foi frutífero para a música. A quantidade de bons discos lançados neste ano é grande ; sorte nossa! No último dia 30, Emicida disponibilizou nas plataformas digitais AmarElo, álbum, que, sem dúvida, vai figurar nos melhores do ano. E tem motivo.

AmarElo é daqueles materiais que vale ser ouvido até por quem não está acostumado a consumir rap. O discurso é forte e, ao mesmo tempo, sutil. As letras falam de temas atuais, como racismo e desigualdade social, unidas a batidas dançantes e envolventes com um lema otimista. ;Do fundo do meu coração/ Do mais profundo canto em meu interior/ Pro mundo em decomposição/ Escrevo como quem manda cartas de amor;, explica Emicida em Cananéia, Iguape e Ilha Comprida, sexta faixa do CD.

Até quando coloca o dedo na ferida, Emicida faz isso de forma leve, mesmo que certeira. Ele lembra os 80 tiros dados por militares que fuzilaram um carro e mataram um músico e um catador em abril deste ano no Rio de Janeiro em Ismália ; ;80 tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo;. Fala de reparação aos negros em Principia: ;Paz, é reparação/ Fruto de paz/ Paz não se constrói com tiro;. E ainda canta sobre a falta de voz dada às minorias: ;Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes / Elas são coadjuvantes, não, melhor, figurantes, que nem devia tá aqui / Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes/ Tanta dor rouba nossa voz, sabe o que resta de nóiz?/ Alvos passeando por aí;.

Não bastasse o discurso, o disco ainda traz Fernanda Montenegro declamando Ismália, poema de Alphonsus de Guimaraens, pseudônimo do poeta brasileiro Afonso Henrique da Costa Guimarães; trecho de Sujeito de sorte, de Belchior, revisitado em AmarElo com participação de Majur e Pabllo Vittar; e uma homenagem a Wilson das Neves em Quem tem um amigo (Tem tudo) com Zeca Pagodinho e Tokyo Ska Paradise Orchestra.

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