Arthur Koblitz*
postado em 06/11/2019 04:15
[FOTO1]Um exame do artigo da deputada Paula Belmonte é uma boa oportunidade para desmistificar uma série de noções que tem se difundido na opinião pública sobre a atuação do BNDES na área de comércio exterior. Ponto a ponto, esclarecemos: a deputada acredita que a CPI encontrou as seguintes evidências de irregularidades: desvio de objetivo do BNDES, favorecimento a empresas e apoio a países por razões ideológicas e sem condições de pagamento. Para a deputada houve conivência do ;núcleo técnico do banco; como parte dessas irregularidades e o resultado da CPI é apenas a ;ponta do iceberg;. Para a deputada, o objetivo do banco ;é o financiamento de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira;;portanto, ;beneficiar empresas brasileiras prestadoras de serviços em outros países; seria um sinal de que o ;objetivo foi desvirtuado; e o recurso empregado no apoio a essas empresas uma evidência de ;desvios de bilhões de reais dos cofres do banco estatal;.
A deputada simplesmente não considera que um dos objetivos do BNDES é também apoiar exportações de produtos e serviços de alto valor agregado. O BNDES não apoia exportação de minério de ferro, mas apoia exportação de aeronaves, caminhões e serviços de engenharia etc. A importância desse objetivo de política econômica é praticamente consensual. Para países em desenvolvimento, essas exportações são, particularmente, valiosas por atraírem divisas e darem suporte ao expertise desenvolvido localmente. Sem financiamento de longo prazo, essas exportações seriam inviáveis ; tratam-se de produtos e serviços de alto valor que precisam ser pagos ao longo do tempo.
Todos os países que produzem esses produtos e serviços contam com órgãos públicos que apoiam sua exportação, e o Brasil faz isso pelo menos desde os anos de 1970. Conclusão: o que a deputada aponta não é evidência de nenhum desvirtuamento de objetivos do BNDES, e, por isso, tampouco podem ser considerados como ;desviados; os recursos que apoiaram essas empresas.
Cabe observar também que as operações de comércio exterior estiveram entre as operações de maior rentabilidade do Banco, superior, inclusive, à Selic.
O BNDES apoiou todas as empresas brasileiras que exportam serviços de engenharia. Esteve longe de ser a principal fonte de financiamento dessas empresas. Vários dados indicam isso. Por exemplo: os desembolsos do BNDES para apoio a operações de exportação correspondem a menos de 10% da receita da Odebrecht com operações internacionais. A mesma proporção se aplica a outras grandes empresas de engenharia brasileiras.
A relação entre apoio financeiro do BNDES e países apoiados é bem mais complexa do que poderiam explicar relações de proximidade política ou ideológica. Durante a presidência de Fernando Lugo, no Paraguai, nenhum financiamento do BNDES ocorreu a despeito do esforço diplomático nesse sentido. Demorou muito para que uma operação fosse aprovada para a Bolívia, de Evo Morales. Quando Rafael Corrêa assumiu a Presidência do Equador, o país entrou num conflito pesado com o BNDES. O primeiro apoio ocorreu mais de três anos após a chegada de Corrêa ao poder.
O grande apoio à Argentina e à Venezuela se explica mais pelas condições específicas dos dois países que por um comportamento proativo brasileiro. Na América do Sul, o apoio do BNDES esteve mais ligado à aceitação nos países de um mecanismo de garantia ; o famoso CCR, convênio de crédito e pagamentos recíprocos, em vigor na região desde os anos de 1960 ; que com a ideologia do país vizinho.
Finalmente, quanto à dívida apontada pela deputada, deve-se considerar que o Fundo que garantiu as operações de exportação de serviços de engenharia não conheceu qualquer default durante quase 20 anos de sua operação. O FGE (Fundo Garantidor de Exportações) está sólido, acumulou prêmios em todos esses anos e conta com uma dotação importante de recursos.
As supostas irregularidades descobertas pela CPI não se sustentam a um exame mais sóbrio e um pouco mais profundo. Essas irregularidades não existem, tampouco pode existir a conivência com elas. A agenda prioritária da deputada é muito nobre: cuidar da primeira infância. Seria, talvez, mais útil para seu mandato e para o país que ela se concentrasse nesse tema e desistisse de encontrar um mítico iceberg.
*Economista e presidente da Associação dos Funcionários do BNDES