Ana Dubeux
postado em 10/11/2019 04:05
[FOTO1]A liberdade de Lula, na última sexta-feira, após o STF derrubar a obrigatoriedade da prisão em segunda instância, elevou a temperatura das discussões em família, no trabalho e, sobretudo, no meu grupo de WhatsApp do colégio. Aquele nível de polarização exacerbado durante a campanha, mas que ainda perdura no Brasil atual, voltou com intensidade tamanha que o sonho de um Brasil pacificado fica ainda mais distante ; até na turma de amigos.
Como fazer agora com o inadiável encontro para celebrar os 45 anos de amizade? Grupo diverso, com opiniões e votos de todos os tipos e cores, vai se encontrar. Adiar a confraria passou pela cabeça, mas não há mais tempo. Passagens compradas, comes e bebes providenciados, salão alugado, festa pronta e emoção anunciada. Ana, minha amiga petista mais radical, já avisou que vai com a camiseta de Lula Livre; Sara, minha amiga antipetista está indócil ; vai de presidiária e máscara de ministro do Supremo; Carla, a amiga bolsonarista, virá armada até os dentes, pronta para detonar a briga ao primeiro sinal dos adversários.
Recorri aos astros na tentativa de encontrar uma saída. Eles dizem que é melhor que a transformação aconteça agora por ser mais distante do momento de maior tensão, que, presumo, sejam as eleições gerais. Não há como desmarcar o encontro. A roda do tempo gira e, com ela, momentos de guerra e paz. Encontrar um bom termo é a nossa missão, aqui e agora.
Madalena, a amiga mais sensata do grupo, sugere que façamos uma trégua. Diz ela: ;Não há caminho sem a paz, não há caminho sem a justiça social, não há caminho sem o combate à corrupção. Os exageros devem de todos os lados devem ceder lugar à pacificação;. Madalena encarna aquele grupo que é contra a corrupção, defende a prisão em segunda instância, mas defende a soltura de Lula, por entender que foi injusta, sem provas e que o processo foi contaminado pela política.
Essa minha amiga Madalena é do grupo que conseguiu ficar feliz e triste com a decisão do STF. Um efeito colateral do momento em que o Brasil vive é a sensação de ambiguidade em relação às instituições democráticas, aos poderes constituídos e às respectivas decisões. Que bom que existem, que bom que funcionam. A questão é: existem para quê? Funcionam para quem?
Mais do que rever sentenças, aprovar reformas, defender a Constituição e a democracia, as instituições devem refletir sobre outro papel. Até que ponto a sociedade brasileira se sente amparada, representada, segura?
Políticos, juízes e altos executivos do serviço público deveriam ouvir esta voz acima de outras, olhar o Brasil desse ponto de vista. Esperamos que um dia o façam. Talvez assim o nosso país ganhe leveza e harmonia. Talvez meu grupo de escola consiga se abraçar e entender que as diferenças, em muitos aspectos, são o que temos de mais bonito. E que todos, ainda que sejam e pensem diferente, têm espaço e garantias para viver em paz.
Esse momento me lembra o hino cantado por Ivan Lins. Fiquei com ele neste domingo: ;Começar de novo e contar comigo/ Vai valer a pena ter amanhecido/ Ter me rebelado, ter me debatido/ Ter me machucado, ter sobrevivido/ Ter virado a mesa, ter me conhecido/ Ter virado o barco, ter me socorrido;.