Opinião

A fotografia

postado em 12/11/2019 04:15
Albert Einstein disse, depois de muito tentar decifrar a física quântica, que ;Deus não joga dados, mas é um brincalhão;. Reza a lenda que Deus é brasileiro e, por extensão, é razoável imaginar que Ele usou de fina ironia ao colocar este povo em um país tão especial e maravilhoso. O cruzamento de índio, preto e branco europeu, ao sul do Equador, resultou em algo muito diferente do resto do mundo. A começar pelo fato de que não existe pecado por aqui. Nem punição por crises de qualquer natureza. Os julgamentos se demoram por décadas, segundo decidiu o Supremo Tribunal Federal em página inesquecível de sua história.

A consequência veio rápida. O ex-presidente Lula foi libertado. Saiu da cadeia dizendo cobras e lagartos de seus acusadores, desceu a borduna no presidente da República e espinafrou o Ministério Público. Um ato preparou o outro. Coisa de alta política, costura de fino trato. Jogo para profissionais, se me entendem. Ninguém alcança resultados tão profundos sem dispor de muita ciência e capacidade de produzir narrativas espantosamente divergentes da realidade com absoluto desassombro. Fantástico. Um tribunal supremo que muda sua jurisprudência com a facilidade de quem troca de camisa. Mas com objetivos bem definidos.

Deus jogou os dados, brincou com o destino e colocou Jair Bolsonaro na Presidência da República. O Altíssimo tem bom humor. O nosso Jair sempre frequentou o baixo clero na Câmara dos Deputados, onde não teve protagonismo como parlamentar. Destacou-se pelas declarações estapafúrdias, ameaças de golpe e pela grosseria. Fala o que lhe vem à cabeça e não mede consequências. Seu nome será sempre lembrado como o de um trapalhão na Presidência da República. Tentou seguir a política externa de Donald Trump e terminou isolado na América do Sul.

Seu filho Eduardo Bolsonaro, na qualidade de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, alcançou o momento maior ao assinar uma estapafúrdia nota de repúdio pela eleição da dupla Martinez e Cristina Kirchner na Argentina. A Casa Rosada tremeu de medo. Política de grêmio estudantil. Mas é o que temos no momento. Um Supremo perseguido por interesses de todas as cores, um presidente mercurial sem partido político, sem sustentação no Congresso e sem apoio dos governos vizinhos. Seu mérito, no momento, reside em não interferir no processo de reformas comandado pelo economista Paulo Guedes. É isso aí.

Convenhamos que a democracia brasileira é forte, resiliente, capaz de ultrapassar dificuldades e se renovar. Ultrapassou mensalão, petrolão, quadrilhão e continua viva. Somente o filho do presidente admitiu a possibilidade de retorno do Ato Institucional número 5, com o qual ele não conviveu. E não vai conviver. Se, por acaso, houver um endurecimento do regime, não será com Bolsonaro. Outros personagens vão surgir para engolir o nosso falante e despreparado presidente com a maior facilidade. Mas isso não vai ocorrer. O país tem experiência na difícil tarefa de produzir impeachment de presidente. Já existe receita pronta e registrada em cartório. Até mesmo os supremos não possuem a capacidade de interferir nos destinos da política nacional quando ela alcança seus momentos de tensão máxima.

O nosso Jair deve ser tratado com alguma compreensão. Ele chegou ao Palácio do Planalto como um falsete da história. Uma derrapada ou uma brincadeira do destino. Seus filhos são subprodutos do desatino geral. Nada dura para sempre. A prisão de Lula iria terminar algum dia. Os supremos fizeram um grande gesto para o ex-presidente. O passado pretende retornar com a velocidade de quem retrocede uma fita de vídeo. Mas a história não é linear. A radicalização deve aumentar, porque há pouca inteligência nos dois lados. E um enorme vazio no centro. O país ainda está preso ao final do século passado e insiste em perder oportunidades.

A partir de amanhã os chefes de governo de China, Rússia, Índia e África do Sul estarão, pessoalmente, em Brasília para a reunião do grupo chamado de Brics, que será presidida pelo presidente Jair Bolsonaro. Os chefes dos países vizinhos não foram convidados, porque estão distantes do governo brasileiro ou convivem com pesados desacertos internos, como é o caso do Chile. As palestras previstas para os dois dias são especialíssimas. Coisa fina. Se o presidente brasileiro for bem assessorado, poderá tirar proveito do encontro. Se não, restará apenas uma foto para ornamentar a galeria das oportunidades perdidas. A fotografia do isolamento.





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