Rodrigo Craveiro
postado em 13/11/2019 04:05
[FOTO1]A democracia na América do Sul navega ao sabor das tempestades. Longe da maturidade ou da solidez, traz cicatrizes da ditadura e se mostra sensível ao rompante de líderes que traem os ideais do povo. Ou de governantes que se confundem com o poder e mimetizam a fragilidade das instituições. Desde o mês passado, a região se tornou palco de levantes populares e de crises políticas que expuseram os riscos do neoliberalismo e da desatenção às políticas sociais. A imagem do ex-presidente Evo Morales partindo da Bolívia com uma bandeira do México na mão é a própria antítese daquela do líder indígena devoto de Pachamama que capitaneou seu país rumo a um crescimento econômico inédito.O erro de Morales foi justamente o de pretender monopolizar o cargo. Qualquer experimento de democracia subentende que a alternância no poder é bem mais do que salutar. Trata-se de algo essencial para a preservação da estabilidade. Ao ignorar um referendo que rejeitou a reeleição por tempo indefinido e ao vencer um pleito repleto de suspeitas, Evo Morales determinou o seu trágico futuro político. Talvez tenha se inspirado no venezuelano Hugo Chávez e no cubano Fidel Castro para levar adiante o seu projeto político hegemônico. O problema é que a permanência continua no governo (Evo Morales buscava o quarto mandato consecutivo) pode solapar a democracia e transformar o líder em déspota ou autocrata. Morales seguiu a linha de Nicolás Maduro e teve menos sorte.
Mais ao sul, o Chile assistiu a uma revolta social deflagrada pelo aumento na tarifa de metrô. A oneração do bilhete expôs uma série de insatisfações subjacentes no seio da sociedade chilena, um mal-estar acumulado há anos com políticas de exclusão e medidas que apenas reforçaram a desigualdade econômica. Acuado, o presidente Sebastián Piñera decretou toque de recolher, militarizou Santiago e as principais cidades e trouxe de volta o fantasma da ditadura de Augusto Pinochet. Trouxe mais discórdia e ira do que pacificou o país. Se não apostar em uma reforma constitucional profunda, corre o risco de ter o mesmo destino de Morales.
Antes disso, no Equador, o presidente Lenín Moreno foi jogado nas cordas pela própria população e teve de revogar o controverso fim do subsídio aos preços dos combustíveis, o que levou a um aumento vertiginoso do litro da gasolina e do diesel. Na Argentina, a população deu um basta ao direitista Mauricio Macri e reconduziu à Casa Rosada o peronismo de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner. Sinal de que as políticas macristas também não atenderam aos anseios da população. O Brasil que se cuide... Apesar da pretensa força das instituições, nosso país já assistiu a distúrbios similares causados por um aumento no preço de passagens. Uma reedição das manifestações da chamada revolta dos 20 centavos, de 2013, pode significar tragédia política para Jair Bolsonaro em um ambiente extremamente polarizado.