Almir Pazzianotto Pinto*
postado em 14/11/2019 04:15
[FOTO1]Trabalho escravo é crime. Assim diz o art. 149 do Código Penal (CP). Impõe ao criminoso pena de reclusão de dois a oito anos. Pertence à família dos crimes contra a liberdade pessoal, integrada pelo constrangimento ilegal, ameaça, sequestro, cárcere privado. Está associado ao atentado contra a liberdade de trabalho e ao aliciamento para levar trabalhadores ;de uma para outra localidade do território nacional;(arts. 197 e 207 do CP).Miséria e trabalho degradante predominam nas comunidades remotas das regiões atrasadas, onde homens e mulheres lutam pela sobrevivência em atividades extrativistas ou sistemas arcaicos de produção, recorrendo a trabalho ocasional, mal pago, desqualificado. Os mais ousados se exilam à procura de emprego com carteira assinada. Muitos sucumbirão nos grandes centros aceitando serviços ocasionais, abrigados em favelas ou debaixo de viadutos.
Sobre trabalho forçado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou dois convênios, o de n; 29, de 1930, e o de n; 105, de 1957, ratificados pelo governo e incorporados à legislação interna. Por ser crime de ação pública, quando alguém souber de exploração de trabalho análogo ao escravo deve denunciá-lo à autoridade policial mais próxima, que se encarregará de prender em flagrante o criminoso e providenciar abertura de inquérito previsto pelo art. 5; do Código de Processo Penal. Procedimento idêntico deve adotar o auditor fiscal do Ministério da Economia e Planejamento ou membro do Ministério Público do Trabalho.
Durante o governo da presidente Dilma Roussef, o extinto Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), e o Ministério de Estado das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (MMIRDH), editaram a Portaria n; 4, de 11/5/2016, para criar, no âmbito do MTPS, o ;Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo; (art. 1;). O cadastro é encontrado no sítio eletrônico do MTPS, ;contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos à condições análogas às de escravo;, ;após (a) prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração; (; 1;).
A precipitada divulgação acarreta danosas consequências morais, sociais e econômicas. Contratos são cancelados, veda-se o acesso a financiamentos bancários, o empresário passa a ser olhado como explorador de mão de obra escrava antes de lhe ser assegurado o exercício do direito de defesa. A perversidade está presente na expressão ;decisão administrativa irrecorrível;. Norma administrativa não transita em julgado e não é irrecorrível. Todo cidadão, rico ou pobre, goza do direito de petição contra ilegalidade ou abuso de poder, ao devido processo legal, ao direito de defesa.
A lista negra foi atualizada em 3/10. A relação encerra nomes de 190 acusados, entre os quais usinas de açúcar, casas de farinha, clubes de futebol, fazendas, lanchonetes, construtoras, transportadoras. Quantos seriam culpados? Os critérios utilizados para definir trabalho escravo são subjetivos. Predominam acusações de trabalho degradante, jornada exaustiva, más condições dos alojamentos, excesso de horas extras. Escoltados por policiais armados, auditores fiscais invadem propriedades, instauram procedimentos sumários, impedem o direito de defesa, lavram o auto de infração, condenam e lançam o nome da vítima na lista infamante.
O Brasil cumpre as obrigações assumidas perante a OIT. Não é relapso. Eventuais acusações partem de desinformados ou de adversários do governo. Com a participação vigorosa da Justiça do Trabalho são combatidos os acidentes de trabalho, a discriminação racial, a exploração da mulher e assegurada a proteção ao menor. A tipificação do trabalho análogo ao escravo, na lição de Nelson Hungria, exige ;a completa sujeição de uma pessoa ao poder de outra;. Ocorre quando o empresário ;se apodera totalmente da liberdade pessoal do segundo, ficando este reduzido, de fato, a um estado de passividade idêntica ao do antigo cativeiro; (Comentários, Forense, RJ, 1958, p.199).
A insegurança jurídica é o tormento das relações coletivas e individuais de trabalho. Milhares de leis, decretos, normas regulamentadoras, portarias e notas técnicas, envelhecidas, autoritárias, ininteligíveis, atemorizam investidores nacionais e estrangeiros, receosos de não conseguirem gerir o negócio. Assim se explica a última posição do Brasil entre países confiáveis.
*Advogado. Foi ninistro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.