postado em 17/11/2019 04:14
Datacracia, os olhos do grande irmãoEspecialistas e pesquisadores de todo o planeta e do Brasil, que timidamente vêm analisando as possibilidades geradas pelo advento do mundo digital na organização das sociedades, vislumbram, por trás do enorme sinal de interrogação que vai escondendo a realidade, a possibilidade de o mundo estar caminhando, a passos largos, ao encontro do Grande Irmão, onisciente, conforme delineou George Orwell no romance 1984.
Para países dominados por um fortíssimo e antigo sistema burocrático, como é o nosso caso, comandado pelo Estado com o auxílio de cartórios e outras instâncias que sobrevivem justamente da complicação nos trâmites de documentos e processos, a possibilidade de estarmos rumando em direção {a nova e inusitada forma de governo do tipo datacracia parece cada vez mais real e inexorável. A transformação paulatina da gestão pública em algo tecnocrático, impessoal e dominado por nova burocracia digital, ao dificultar o acesso direto dos cidadãos aos responsáveis pelo governo, poderá retirar dos gestores públicos a responsabilidade por suas ações.
Nesse caso, as responsabilidades por qualquer ato lesivo ao cidadão, decorrente da labiríntica burocracia, poderá caber unicamente ao;sistema;, ou seja, a um ;ser; virtual, impossível de ser levado fisicamente aos tribunais. Para um país como o Brasil, atalhado por uma burocracia endêmica, herdada ainda da fase colonial, as ameaças desse processo de digitalização são ainda maiores e mais preocupantes do que em outras partes do mundo.
O antropólogo francês Levi-Strauss costumava dizer que o Brasil era um caso único de país que passou diretamente da barbárie à decadência, sem conhecer a civilização. No nosso caso, apanhados de surpresa por um mundo em processo rápido de informatização digital, corremos o risco de adentrarmos, totalmente despreparados, à nova era, comandada por programas de computadores, sem antes termos resolvido o problema histórico da burocracia onerosa. E, para não renunciarmos a nem uma coisa nem outra, em vez de eliminarmos todo e qualquer traço de burocracia, vamos em busca de digitalizar a existente, dando nova vida e nova dinâmica aos diversos cartórios.
Com isso, estamos turbinando uma atividade predadora que já deveríamos ter eliminado há muito tempo, dando nova vida a sistema parasitário que se beneficia há séculos do descaso do Estado, de quem é sócio na criação de dificuldades e na venda de facilidades. A datacracia, que seria um governo comandado das profundezas do oceano digital, aliado aos traços já conhecidos de casos sequenciais de corrupção avassaladora, poderia produzir entre nós uma espécie de Frankenstein sui generis e extremamente perigoso para os cidadãos. Aliás, o próprio status de cidadão, com todos os seus direitos e deveres, conforme conhecemos hoje, deixaria de existir, substituído por um código sequencial de algoritmos, só inteligível por máquinas sofisticadas, instaladas nas nuvens distantes. Nesse caso, nem as leis de nada serviriam.
A frase que foi pronunciada
;Num tempo de engano universal, dizer a verdade é um ato revolucionário.;
George Orwell
História de Brasília
Outro argumento, para acabar com a história: governo, quando é bom, tanto faz aqui como na China. É bom em toda a parte. (Publicado em 06/12/1961)