O Proálcool, criado para que nosso país fizesse frente à crise internacional do petróleo nos anos de 1970, tornou-se um dos principais responsáveis por nossa capacidade de atender os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável na área ambiental. O esforço conjunto do setor sucroalcooleiro, organismos governamentais, instituições de pesquisa e indústria automotiva permitiu que o Brasil produzisse em escala um combustível mais limpo e renovável, aliado à tecnologia dos carros flex, apresentando solução concreta no combate às mudanças climáticas.
Nesse sentido, é gratificante lembrar o esforço que fizemos envolvendo muitas pessoas com visão de futuro, para viabilizar uma tecnologia revolucionária nos setores industrial e energético: nos anos de 1970, quando presidi a Sociedade dos Técnicos Açucareiros e Alcooleiros do Brasil (Stab), formamos uma comissão, com outros dirigentes setoriais, para visitar centros de pesquisa empenhados no desenvolvimento do carro a álcool. Não havia no país capacitação para a produção de motores, fabricados no exterior, sendo apenas montados aqui. Por isso, foi necessário gerar know how próprio.
Estavam engajados no processo o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), em São José dos Campos, já avançadíssimo à época, e a Escola da USP, câmpus de São Carlos, onde eu havia me formado. Nas fábricas da Volkswagen, GM e Willys-Ford, um contingente de engenheiros, com equipamentos de última geração, estava igualmente mobilizado.
Nasciam, assim, os veículos a álcool brasileiros. A criatividade nacional também era demonstrada nas adaptações feitas pelos mecânicos nas retíficas. Os caminhões das usinas do Nordeste e São Paulo tinham os motores convertidos. Aliás, a capacidade de nossa gente de encontrar soluções já havia sido demonstrada na Segunda Guerra, quando faltou combustível. Lembro que meu pai tinha um carro a gasogênio, mas que subia a Serra do Mar utilizando álcool.
O Proálcool foi um decisivo passo para o desenvolvimento da engenharia de motores no Brasil. É graças a todo esse esforço que, na COP 25, poderemos demonstrar o quanto estamos avançados em algumas metas para 2030 do Acordo de Paris: do aumento previsto de 18% da participação de biocombustíveis (Renovabio), realizamos 17,4% e já superamos em 0,3 ponto percentual o compromisso de 45% dos renováveis na matriz energética nacional, que se tornou a mais limpa e diversificada do mundo.
Estudos do Brasil e do Exterior não deixam dúvidas de que o etanol reduz a emissão de dióxido de carbono em relação à gasolina. Quando produzido a partir da cana-de-açúcar, como no país, o resultado é ainda maior, pois os canaviais sequestram carbono na atmosfera em volume mais elevado do que o emitido na queima do combustível. A utilização do álcool nos veículos apresenta outra vantagem a ser lembrada: a adição à gasolina, considerando sua capacidade de aumentar a octanagem, permitiu extinguir, nos anos 1990, o poluente chumbo tetraetila como aditivo do combustível brasileiro.
Ao lembrarmos toda essa trajetória, devemos comemorar o fato de o Brasil ter quebrado o recorde de produção, consumo e venda de etanol na safra 2018/2019. Tal resultado mostra que nossa matriz energética pode ser cada vez mais limpa e renovável, alimentada por um combustível sustentável cuja produção gera emprego, renda e investimentos, contribuindo, ainda, para que o Brasil cumpra seus compromissos com o planeta.
*Engenheiro, é vice-presidente do Conselho de Administração da Usina São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA)
*Engenheiro, é vice-presidente do Conselho de Administração da Usina São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA)