Opinião

Artigo: Inédito

''O presidente Jair Bolsonaro rompeu com violência os laços com o seu PSL, legenda de aluguel que funcionou bem na eleição passada''

André Gustavo Stumpf*
postado em 26/11/2019 12:28
[FOTO1]A marca do atual governo é o ineditismo. Nunca antes na história do Brasil um presidente da República rompeu de maneira definitiva com seu partido político. Já ocorreu que um presidente tenha deslizado lentamente para outra agremiação, de maneira negociada e discreta. Foi o caso de José Sarney, que chegou ao poder por intermédio do Partido da Frente Liberal (PFL) e depois caminhou em direção ao PMDB, que, como ele mesmo definiu na época, foi a conversão de Paulo no caminho de Damasco. Tudo feito com elegância, negociação e objetividade.

O presidente Jair Bolsonaro, ao contrário, rompeu com violência os laços com o seu PSL, legenda de aluguel que funcionou bem na eleição passada. Ajudou o seu principal candidato e acabou o pleito com enorme e inesperada bancada de 53 deputados federais. Em consequência, botou a mão em muito dinheiro para sua manutenção e financiamento das próximas eleições. Dinheiro na mão é vendaval. A briga em torno da grana destruiu a precária unidade em torno da sigla, antes inexpressiva.

Depois do rompimento, Bolsonaro partiu para a carreira solo, bem entendido, dele e dos filhos. Agora é do conhecimento de todos que o presidente não opera sozinho. Quem votar nele, estará sempre votando também nos filhos, que participam das principais decisões de governo federal. Quem entender esse, digamos, detalhe, não vai se decepcionar com o futuro. Ele trabalha para criar um partido dele, com o próprio perfil, conduzido pelos filhos e pelos principais apoiadores. Ou seja, uma ação entre amigos.

A Aliança pelo Brasil, nome da agremiação, vai se formar com lentidão na medida das exigências da legislação eleitoral. O Brasil possui partidos políticos em demasia. As leis que regem o assunto tendem a dificultar o surgimento de novas legendas. Por essa razão, tudo é difícil, demorado e caro. É proposital. O presidente Bolsonaro precisa recolher cerca de 492 mil assinaturas, com firma reconhecida, até o final do primeiro trimestre do próximo ano. É praticamente impossível. Se acontecer, será algum milagre produzido por acordos com poderosos na área eleitoral.

Mesmo que venha a ser criada antes das eleições do próximo ano, a Aliança não receberá as fabulosas verbas oficiais. O novo partido só terá direito aos recursos oficiais na eleição de 2022. Parece claro que Bolsonaro está se preparando para disputar o segundo mandato de presidente da República. Ou seja, seu atual mandato serve apenas para que ele se prepare para o segundo tempo de seu planejamento. Ele pretende, então, não só governar o país, mas impor seus meios, modos e ideologias sobre todos os brasileiros. Os eleitores do novo partido estão sendo recrutados nas políticas civil e militar de todo o país, militares das três forças armadas e militantes evangélicos. Não é por acaso que o número do novo partido é 38, calibre de um conhecido revólver utilizado por policiais e assaltantes.

O problema é o momento atual. O presidente tem o direito de sonhar com o que ele bem entender. Mas administrar o dia a dia da política nacional exige determinação, paciência e muita calma. Ele tinha a seu favor 53 votos do PSL. Agora tem a metade disso. Não possui lideranças expressivas na Câmara, nem o Senado Federal. Os projetos do governo, enviados pela equipe do ministro Paulo Guedes, só poderão prosperar se contarem com o apoio decisivo dos presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. É um detalhe de enorme importância. Ele vai governar, a partir de agora, sempre na dependência dos humores dos presidentes da Câmara e do Senado. Sem eles, nada feito.

O presidente da República assume risco político inédito na história do Brasil. Ele, de certa forma, abriu mão de parcela importante do poder para apostar na próxima eleição. Trocou o presente pelo futuro. Seus correligionários entendem que poderão reproduzir, na próxima eleição presidencial, o fenômeno ocorrido no último pleito. Ou seja, quanto mais ele radicalizar, mais perto estará do segundo turno, colocando na posição oposta o candidato do PT. E, como aconteceu na última eleição, os eleitores de centro deverão decidir a disputa.

É impossível antecipar o resultado dessa aposta. O presidente da República vai andar na corda bamba, sem rede. Seus objetivos precisam coincidir com os dos parlamentares. Se houver uma deriva para direita ou a esquerda, o chefe do governo pode conhecer o encerramento antecipado de sua administração. Ele depende, a partir de agora, da boa vontade dos parlamentares.

*Jornalista

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