Opinião

Artigo - 2020: Cenário para a América Latina

''A incerteza reduz o crescimento, em particular o investimento, mas, por outro lado, o baixo crescimento também é causa da insatisfação revelada pelas urnas e as ruas''

Armando Castelar*
postado em 27/11/2019 12:45
[FOTO1]Vai aos poucos se consolidando um cenário de crescimento relativamente lento da economia mundial em 2020. Dados divulgados esta semana pelo Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis (https://bit.ly/35wguWO) mostram, por exemplo, que, no terceiro trimestre de 2019, o volume de comércio internacional ficou 1,1% abaixo do registrado um ano antes. Foi a primeira queda nesse tipo de comparação em 10 anos, no auge da grande crise financeira internacional.

Outros indicadores confirmam o quadro de desaceleração. A mesma fonte citada acima também mostra que, no terceiro trimestre deste ano, a produção industrial global, não incluindo a construção civil, cresceu apenas 0,5% na comparação com o mesmo período de 2018. Também neste caso, o pior desempenho desde 2009. Na América Latina, o resultado foi ainda pior: queda de 2,1%.

As economias avançadas estão sentindo mais fortemente a desaceleração global. Isso em que pese a nova rodada de estímulos monetários nesses países nos últimos meses, com corte de juros e a volta de programas de afrouxamento quantitativo. Assim, tanto na Europa quanto nos EUA, os bancos centrais voltaram a imprimir e injetar dinheiro na economia, ao ritmo de dezenas de bilhões de euros e dólares ao mês.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que o crescimento médio dos países-membros da organização, depois de cair bastante este ano, se estabilize em torno de 1,7% em 2020-21. Na visão da OCDE, algo semelhante também ocorreria com os países do G20 que não são membros da organização, ainda que nesse caso o crescimento venha a ficar em torno de 4%.

Mês passado o Fundo Monetário Internacional (FMI) traçou um quadro parecido em seus novos cenários para a economia mundial. Nesses, porém, fica mais claro o contraste entre as projeções para as economias avançadas, para as quais o fundo prevê contínua desaceleração até 2023, e para os países em desenvolvimento, onde o FMI espera crescimento em alta já a partir do próximo ano.

O fundo projeta significativa aceleração do PIB latino-americano: de alta de 0,2% este ano, para 1,8% em 2020 e 2,4% em 2021. De acordo com as previsões, as principais economias da região teriam um desempenho melhor em 2020 do que neste ano. Mesmo para os países em que se projeta contração do PIB ano que vem, como Argentina e Venezuela, o fundo prevê queda mais moderada do PIB do que a observada este ano.

Impossível? Não, mas difícil. Comecemos pelos fatores a favor do cenário do fundo. O primeiro e mais importante é que, a exemplo do que ocorre no Brasil, na maioria dos países da região, a política monetária ficou mais frouxa este ano, o que deve estimular um aumento da demanda doméstica em 2020. O segundo seria um enfraquecimento do dólar. Este não é uma certeza, claro, mas poderia ocorrer como consequência das novas emissões monetárias pelo Fed e caso a guerra comercial dos EUA com a China de fato arrefeça.

Jogando contra o otimismo, temos dois fatores centrais: a própria desaceleração da economia mundial e, em especial, da China, com impactos negativos sobre o preço das commodities e a elevada incerteza que cerca as principais economias da região. Refiro-me aqui às radicais mudanças promovidas pelas eleições dos últimos anos, no México e na Argentina, e aos movimentos de rua em países como Chile, Bolívia e Equador.

Vale notar que a relação entre o desempenho da economia e este clima de incerteza política flui nos dois sentidos. A incerteza reduz o crescimento, em particular o investimento, mas, por outro lado, o baixo crescimento também é causa da insatisfação revelada pelas urnas e as ruas. Nesse sentido, vale observar que no quinquênio 2015-19 o PIB latino-americano cresceu em média apenas 0,4% ao ano, taxa insuficiente para compensar o crescimento da população e uma fração dos 3,5% observados na média do decênio anterior.

Assim, dois cenários bastante diferentes se colocam para a economia latino-americana em 2020. Em um cenário otimista, os juros baixos estimulam o crescimento, o que reduz a incerteza política e atrai capitais externos, em um contexto em que a América Latina é uma das poucas regiões do mundo em que a economia se acelera em 2020. Em outro, esses efeitos se desenrolam ao contrário, colocando um quadro bastante preocupante, inclusive para o Brasil. Para mim, um dólar mais fraco seria o fator decisivo para termos um 2020 relativamente tranquilo.

* Coordenador de economia aplicada do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas

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