Flávio Roscoe*
postado em 28/11/2019 04:06
[FOTO1]Uma combinação perigosa ameaça a indústria brasileira e pode jogar por terra o êxito de importantes acordos internacionais de comércio que vêm sendo firmados de forma positiva e promissora para o país. A receita para a perda da competitividade do setor produtivo nacional decorre da danosa sinergia que une o que batizamos de custos ocultos ; uma infinidade de normas e obrigações que só existem no Brasil ; e a eventual redução unilateral das tarifas dos impostos incidentes sobre as importações, cuja possibilidade vem sendo aventada de forma extemporânea e inoportuna. É preciso deixar claro: a abertura comercial é necessária, sim, mas sua implementação exige cuidados.É necessário considerar o recente acordo Mercosul/União Europeia, assinado em julho passado, englobando 32 países dos dois blocos, e o possível acesso do Brasil à OCDE ; Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Esses são movimentos que sinalizam enfaticamente que o país se abre e se integra cada vez mais ao comércio global. E o faz da forma mais saudável possível, por meio de acordos que consideram os reais interesses do país, de sua economia e de suas empresas. Por conta do novo cenário, diversos países importantes no comércio global têm procurado o Brasil e o Mercosul expressando interesse em negociar acordos semelhantes que, agora, podemos tratar em condições mais vantajosas e soberanas. É desnecessária, portanto, a redução unilateral das tarifas, que só prejudica o país e suas empresas.
De fato, após o entendimento com o bloco europeu, o Mercosul já assinou mais um importante acordo com os países da Área Europeia de Livre Comércio (Islândia, Suíça, Noruega e Liechtenstein). Além disso, em estágio avançado de tratativas, e com perspectivas de fechamento já no próximo ano, estão as negociações com México, Canadá, Coreia do Sul e Singapura, todos de grande relevância no comércio mundial. Ainda em estágio preliminar, mas com perspectivas igualmente promissoras, estão as negociações com os Estados Unidos e o Japão.
Ao contrário desse caminho saudável e promissor, de acordos em bloco ou bilaterais, no processo unilateral de redução de tarifas, o país que o adota sem ganhar nada em troca, abre mão de defender os interesses de sua economia, de suas empresas, desiste de conquistar fatias importantes nos grandes mercados mundiais e, no extremo, entrega o próprio mercado aos produtos estrangeiros.
Na verdade, contrariamente ao que se propaga, o grau de abertura comercial da economia brasileira é muito expressivo. Atualmente, 22,4% dos produtos consumidos no país são importados, assim como 27% dos insumos utilizados pela indústria nacional. Nesse contexto, não faz nenhum sentido reduzir unilateralmente as tarifas de importação, especialmente considerando o crescente interesse de países de todas as partes do mundo em firmar acordos com o Brasil.
Estudo realizado pela CNI ; Confederação Nacional da Indústria; adverte que, até 2022, o corte repentino de 50% no imposto de importação ; esse é o percentual proposto pelo Brasil à Argentina, Paraguai e Uruguai, seus parceiros no Mercosul ; reduzirá o PIB de pelo menos 10 dos 22 setores da indústria brasileira. São evidentes e intensos, portanto, os impactos sobre a retomada do crescimento econômico e sobre a geração de empregos, o que é dramático em um país com mais de 12 milhões de desempregados. A redução unilateral e abrupta das tarifas de importação pode até mesmo quebrar setores menos competitivos da indústria. Ao contrário, com os acordos comerciais já assinados e os que devem ser firmados em futuro próximo, as empresas ganham prazos de até 10 anos para se adequarem ao livre comércio.
Outro argumento que desaconselha a redução unilateral de tarifas é a situação das empresas brasileiras, sufocadas por custos ocultos ; na verdade impostos ocultos; que só existem no Brasil. São encargos e obrigações acessórias, cotas de aprendizes e treinamentos, autorizações, licenças e outorgas ambientais, além de um cipoal de impostos que obrigam a indústria nacional a investir muito mais tempo do que o necessário em atividades-meio, que oneram a produção. São todos impostos ocultos, que impactam a competitividade da empresa, uma vez que os concorrentes internacionais não estão sujeitos a nada parecido. Embora não incidam diretamente nos custos de produção, eles afetam diretamente as empresas, que são obrigadas a bancar programas sociais necessários e justos, mas que são de responsabilidade do próprio governo e devem ser bancados com a já elevada carga tributária vigente no país. Estudos realizados pela Fiemg mostram que os impostos ocultos oneram em até 17% os custos de produção.
Assim, a efetivação de acordos comerciais e a desoneração dos custos que incidem na produção atendem plenamente os objetivos de promover a concorrência leal entre a indústria brasileira e a de outros lugares do mundo. No entanto, se o governo adotar a redução unilateral das tarifas, sujeitará as empresas a condições desiguais de competição, tendo como resultados aumento do desemprego, queda na renda e falência de indústrias. Para a própria União, significa abrir mão de aproximadamente R$ 60 bilhões em arrecadação de impostos de importação, o equivalente a 45% da meta de deficit primário previsto para 2019.
Neste momento em que o Brasil começa a respirar e a dar sinais de recuperação econômica, pautada pela inflação controlada, redução da taxa básica de juros, lei da liberdade econômica, reforma da Previdência e, para a frente, as reformas tributária e administrativa, tudo do que precisamos é de tempo e tranquilidade para investir e empreender, gerando oportunidades. E tudo isso, no comércio exterior, só vamos conquistar com acordos comerciais. Jamais com a redução unilateral de tarifas.
*Presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Femig)
*Presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Femig)