postado em 02/12/2019 04:15
Foi em 2012 que o Brasil decidiu dar os primeiros passos no segmento de energia solar de pequena escala e, até 2015, eram pouco mais de 2 mil pessoas e pequenas empresas participando do movimento. Considerando a dimensão do país, não éramos ninguém.Um dos principais motivos pelos quais não evoluímos no segmento, de pequena escala, está na realidade brasileira. Para instalar sistema solar em um telhado, o cidadão precisa morar em casa, ser dono dela e, além de tudo, ter dinheiro no banco ou acesso a crédito a taxas que não sejam proibitivas. Quantos brasileiros se enquadram nesse perfil? Poucos.
Em uma reflexão rápida, é fácil perceber que, para democratizarmos o acesso dos brasileiros a essa tecnologia, precisaríamos transformar os dados sociais e econômicos em informações relevantes. Assim, ao final de 2015, com excelência técnica e regulatória, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), compreendendo essa realidade, permitiu novo conceito chamado normativamente de Geração Compartilhada.
Na prática, passou a permitir que os sistemas solares fossem instalados não apenas nos telhados, mas também em áreas improdutivas, dentro da mesma distribuidora de energia, permitindo que pessoas compartilhassem um mesmo sistema. Ao invés de cada um por si, todos por todos.
O consumidor, especialmente o menor e mais simples, passou a ser o protagonista na geração de energia, fomentando a inovação, a descentralização, o compartilhamento e a democratização do acesso à energia limpa. Mas esse cenário durou pouco. Apesar de todos os benefícios, e por mais que menos de 0,01% dos consumidores brasileiros tenham aderido à inovação da Geração Compartilhada até o momento, definiu-se que devemos revisar as normas estabelecidas.
Em meio à discussão acalorada, a Aneel infelizmente apresentou, em outubro, um caminho completamente oposto à iniciativa progressista de 2015, quando organizou o setor. A maior parte dos benefícios oferecidos pela geração distribuída foram desconsiderados e propõe-se impor um custo ao consumidor de 60% do seu benefício, inviabilizando esse modelo ainda no nascedouro.
Mas talvez melhor do que sermos afirmativos, é nos questionarmos se faz sentido esse caminho retrógrado. Vejamos: qual a importância de darmos chance aos pequenos consumidores de produzirem a própria energia, sem deixar ninguém de fora, especialmente a base da pirâmide? Como continuaremos tendo uma matriz de energia limpa e renovável? Como podemos gerar empregos de qualidade, modernos e descentralizados? Como podemos ajudar a reduzir as perdas elétricas no sistema? Com 0,01% de penetração, devem-se mudar as regras de geração compartilhada?
Esses pontos não foram considerados na análise atual. Com as novas regras, a agência coloca na conta dos consumidores todos os custos relacionados não apenas à remuneração da distribuidora, mas também da transmissão de energia (apesar de a energia ser gerada dentro da área da distribuidora); dos encargos setoriais (apesar de o principal deles ter sido criado justamente para fomentar fontes limpas de energia); e as perdas elétricas (desconsiderando os princípios da física que dizem que quanto menos um elétron caminha, menos ele se perde no caminho).
Traduzindo para a vida real, a proposta inviabiliza esse modelo, exclui os consumidores da base da pirâmide e retrocede ao que parece ser sempre a condição natural do Brasil, o país do futuro onde o futuro nunca chega.
O grande consumidor pode produzir a própria energia no Brasil e, com esse novo caminho, terá condições ainda mais atrativas na comparação com o pequeno consumidor. Não parece justo socialmente ter um cenário tão expressivo de desigualdade entre o grande e o pequeno. Quando falamos em democratizar, não é favorecer um sobre o outro, mas dar oportunidades iguais ; no entanto, não é esse o caminho indicado pela revisão.
Mas, se repensarmos a proposta que está na mesa, considerando os benefícios da energia solar, teremos um futuro brilhante. Levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) mostra que o país arrecadará R$ 27 bilhões aos cofres públicos até 2027, vai gerar mais de 670 mil empregos e evitará a emissão de 75,38 milhões de toneladas de CO2 até 2035. Qual legado queremos deixar para o Brasil?