Jornal Correio Braziliense

Opinião

Artigo: a vida na roleta russa

O governante preocupado com a segurança viária estaria comprometido em levar a educação para o trânsito para dentro das salas de aula

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O Congresso Nacional deve aprovar, até o fim deste ano, um pacote de projetos com alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), de autoria do Executivo. Entre as medidas, está a tentativa do governo de acabar com a punição para quem não transporta as crianças nos chamados dispositivos de segurança (cadeirinhas, assentos elevados ou bebê conforto); ampliação do prazo para renovação da carteira de motorista e do número de pontos na CNH para suspender o direito de dirigir (aumentando de 20 para 40 pontos).

Duas outras questões, no mínimo polêmicas, estão em vigor. Em âmbito federal, o Executivo determinou, em agosto, a suspensão da fiscalização eletrônica por meio dos radares móveis. Um mês depois, no Distrito Federal, o Contrandife tomou uma decisão que não só afronta o CTB como representa um golpe na lei seca, um dos principais pilares para a redução das fatalidades nas vias.

É consenso que o CTB precisa ser atualizado. Desde sua aprovação, os veículos foram equipados com apetrechos tecnológicos capazes de tirar a atenção do condutor e ficaram mais velozes; os telefones móveis se popularizaram e são usados sem parar pelo condutor, não só para falar, como para navegar nas redes, ler e digitar mensagens; há mais conhecimento sobre as condutas mais perigosas ; e que, por isso, precisam ser combatidas e punidas com mais rigor.

Há pouco mais de duas décadas, o país não tinha assinado o compromisso de reduzir à metade as mortes no trânsito. O Estatuto das Cidades só chegou em 2001. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) também vieram depois do CTB. Mas o que estão tentando fazer com o Código Brasileiro de Trânsito, a lei que trouxe o mínimo de civilidade nos deslocamentos diários, é fatiar, enfraquecer e beneficiar o mau motorista. São decisões sob medida para agradar a uma pequena parte do eleitorado, aquela que certamente figura entre os infratores mais recorrentes. Não há nessas medidas nenhuma razoabilidade.

O governante preocupado com a segurança viária estaria comprometido em levar a educação para o trânsito para dentro das salas de aula. Estudando um meio de melhorar a formação dos motociclistas e de preparar melhor os ciclistas para encarar o trânsito. Estaria atrás de projetos sustentáveis de cidades e de mobilidade urbana, com investimento pesado em transporte público. Mas não é isso que se vê por aí. O Congresso Nacional tem a missão de barrar os absurdos sob pena de as vidas de todos nós, motoristas ou não, pararmos numa roleta russa de quem pode mais nas ruas do país.