Opinião

Artigo: a vida na roleta russa

O governante preocupado com a segurança viária estaria comprometido em levar a educação para o trânsito para dentro das salas de aula

Adriana Bernardes
postado em 05/12/2019 08:15
[FOTO1]
O Congresso Nacional deve aprovar, até o fim deste ano, um pacote de projetos com alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), de autoria do Executivo. Entre as medidas, está a tentativa do governo de acabar com a punição para quem não transporta as crianças nos chamados dispositivos de segurança (cadeirinhas, assentos elevados ou bebê conforto); ampliação do prazo para renovação da carteira de motorista e do número de pontos na CNH para suspender o direito de dirigir (aumentando de 20 para 40 pontos).

Duas outras questões, no mínimo polêmicas, estão em vigor. Em âmbito federal, o Executivo determinou, em agosto, a suspensão da fiscalização eletrônica por meio dos radares móveis. Um mês depois, no Distrito Federal, o Contrandife tomou uma decisão que não só afronta o CTB como representa um golpe na lei seca, um dos principais pilares para a redução das fatalidades nas vias.

É consenso que o CTB precisa ser atualizado. Desde sua aprovação, os veículos foram equipados com apetrechos tecnológicos capazes de tirar a atenção do condutor e ficaram mais velozes; os telefones móveis se popularizaram e são usados sem parar pelo condutor, não só para falar, como para navegar nas redes, ler e digitar mensagens; há mais conhecimento sobre as condutas mais perigosas ; e que, por isso, precisam ser combatidas e punidas com mais rigor.

Há pouco mais de duas décadas, o país não tinha assinado o compromisso de reduzir à metade as mortes no trânsito. O Estatuto das Cidades só chegou em 2001. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) também vieram depois do CTB. Mas o que estão tentando fazer com o Código Brasileiro de Trânsito, a lei que trouxe o mínimo de civilidade nos deslocamentos diários, é fatiar, enfraquecer e beneficiar o mau motorista. São decisões sob medida para agradar a uma pequena parte do eleitorado, aquela que certamente figura entre os infratores mais recorrentes. Não há nessas medidas nenhuma razoabilidade.

O governante preocupado com a segurança viária estaria comprometido em levar a educação para o trânsito para dentro das salas de aula. Estudando um meio de melhorar a formação dos motociclistas e de preparar melhor os ciclistas para encarar o trânsito. Estaria atrás de projetos sustentáveis de cidades e de mobilidade urbana, com investimento pesado em transporte público. Mas não é isso que se vê por aí. O Congresso Nacional tem a missão de barrar os absurdos sob pena de as vidas de todos nós, motoristas ou não, pararmos numa roleta russa de quem pode mais nas ruas do país.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação