Victor Hugo Iocca*
postado em 16/12/2019 04:15
[FOTO1]A Aneel ampliou a data em que decide uma nova regulação para Geração Distribuída, revisão que vem sendo discutida desde 2018. Até o dia 30 de dezembro, a sociedade pode se manifestar a respeito da mudança de regras para quem produz a própria energia assim como os efeitos dessa decisão sobre os demais consumidores. O assunto tem sido usado para criar polêmica por quem se beneficia dos incentivos que hoje existem, principalmente para a geração fotovoltaica.
Aparentemente, todo mundo ganha com a energia solar. O consumidor que instala sua placa vê as faturas praticamente zerarem, e o país gera ainda mais energia limpa. Mas no setor elétrico brasileiro, a realidade não é tão clara quanto a luz do sol que brilha de norte a sul neste país tropical.
Além de inevitável, é muito bem-vinda a mudança que já chegou ao Brasil com os painéis solares e a geração de energia pelo consumidor. É também inequívoca a vocação do país para a energia do sol e são evidentes as vantagens ambientais da geração fotovoltaica, mesmo sabendo que já temos uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta.
Acontece que o setor elétrico brasileiro é recheado de distorções, custos e encargos acumulados em bilhões de reais. Os subsídios, impostos e tributos embutidos nas tarifas já ultrapassam metade do que se paga na conta de energia. Só na Conta de Desenvolvimento Energético, em 2020, pesarão sobre os consumidores mais de R$ 22 bilhões de incentivos e subvenções, e R$ 8 bilhões em impostos sobre os subsídios, numa soma de todo tipo de política pública, mesmo as que nada têm a ver com o setor de energia.
Da maneira como funciona hoje o subsídio à geração fotovoltaica distribuída, quanto maior a geração de energia solar, maior será o peso da energia e encargos aos outros consumidores. Isso acontece porque o custo do sistema interligado nacional, que atende quase todo o país, é fixo e já compartilhado pelos usuários finais e pago na fatura de energia. Desse modo, ainda que um cidadão gere a energia, ele continua usufruindo do sistema como um todo e os seus custos, bastante reduzidos por causa dos incentivos, ficam para que os vizinhos paguem.
É por isso que a Aneel trouxe à tona essa discussão: para dar mais coerência econômica do modelo de incentivo à geração distribuída. Faz sentido manter a atual regulação que oportuniza a captura da maior parte dos benefícios econômicos por poucos empresários em detrimento de todos os outros consumidores, para quem o custo de instalação de um sistema de energia fotovoltaica não cabe no bolso? Faz sentido uma regra que permite a criação de fazendas solares que simulam um mercado livre ;paralelo; ao permitido pela lei? Faz sentido onerar setores produtivos em detrimento de outros? Criar um peso no custo global do sistema para todos é justo?
Neste país tão desigual, o peso dos encargos e subsídios vai recair sobre a população que não pode instalar o sistema próprio. Um quarto das famílias brasileiras, ou seja, 45 milhões de pessoas que sobrevivem com renda familiar anual de, no máximo, R$ 23 mil e quase não têm renda para financiar a casa própria, quiçá seu sistema de energia ao custo médio de investimento da ordem de R$ 50 mil acabarão ficando no sistema e pagando o custo do setor elétrico por outras, privilegiadas.
Há mais. Pouco se comenta que o furto de energia ; realidade nas cidades brasileiras ; não deixará de existir com a geração fotovoltaica e o seu custo, que é repartido entre todos os consumidores, não será repassado ao cidadão que gera a própria energia. É certo que ele não tem culpa, mas continua sobrando para todos os demais pagarem pelas atuais e novas gambiarras que, vá saber, talvez já estejam evoluindo na velocidade em que crescem os painéis solares distribuídos pela cidade e pelo campo.
Um sistema democrático pressupõe pesos e contrapesos a fim de se manter o equilíbrio entre os interesses da população, dos agentes econômicos e as agendas de governo. A audiência pública da Aneel faz esse contrapeso. A importância dos reguladores em encontrar equidade e redistribuir os custos do sistema é caminho que fortalece o setor elétrico e o nosso país. Essa é demonstração de maturidade e responsabilidade de que necessitamos para abrir o caminho para as novas tecnologias, que poderão modernizar o setor elétrico na velocidade exponencial em que o mundo hoje se transforma.
*Engenheiro eletricista, coordenador técnico de Energia Elétrica da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres
*Engenheiro eletricista, coordenador técnico de Energia Elétrica da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres