Opinião

Oportunidade para combater o mercado ilegal de bebidas alcoólicas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 18/12/2019 04:39
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Inventada há cerca de 500 anos em um engenho desconhecido do litoral brasileiro e primeira indicação geográfica do país, a cachaça nasceu praticamente com o Brasil. É o primeiro destilado da América Latina, mais antigo que o rum caribenho e a tequila mexicana.

O destilado genuinamente verde e amarelo gera mais de 600 mil empregos diretos e indiretos e é um vetor de desenvolvimento socioeconômico em diversas regiões, com a produção pulverizada em milhares de produtores de todos os portes, espalhados de norte a sul do país.

Apesar da longa trajetória, esse símbolo nacional ainda tem desafios a vencer. A cachaça e os outros destilados sofrem com o mercado ilegal de bebidas alcoólicas, cujo market share supera o do comércio formal. Enquanto destilados legais representam 10%, dos quais 7% representados pela cachaça, o mercado ilegal ultrapassa os 28%.

Dados de estudo realizado pela Euromonitor International e divulgado pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) apontam que, em 2017, 160 milhões de garrafas desse destilado foram fabricadas e vendidas em desrespeito à legislação vigente. No mesmo período, o governo brasileiro deixou de arrecadar R$ 10,2 bilhões em impostos com o mercado ilegal de bebidas alcoólicas. O montante seria suficiente para pagar o salário de 83 mil enfermeiras e construir mais de 5 mil escolas e 360 hospitais.

As perdas envolvendo destilados, além da cachaça, uísque e vodca, representaram pouco mais da metade desse valor: R$ 5,5 bilhões deixaram de ser recolhidos aos cofres públicos. Um dos principais motivadores desse enorme mercado ilegal é a alta incidência de impostos ; atualmente IPI, PIS, Cofins e ICMS, que estão no centro das discussões da reforma tributária, representam cerca de 60% do valor da cachaça, considerando-se alíquotas nominais e tendo como referência a alíquota de ICMS do estado de São Paulo.

Se analisarmos a tributação com base na curva de Lafer e considerando a carga tributária que há anos sufoca o setor de destilados, com destaque para a cachaça, a tributação de destilados no Brasil já passou há muito tempo do ponto ótimo. No atual contexto das discussões da reforma tributária, a principal preocupação do setor de bebidas alcoólicas é em relação ao Imposto Seletivo (IS), que, entre outros setores, poderá atingir em cheio o setor de destilados que, historicamente, tende a ser o mais afetado sempre que se pensa em rever a tributação de alguns produtos no Brasil.

Foi o que aconteceu em 2015, quando esse setor teve a carga majorada excessivamente, quando da publicação da Medida Provisória 690, de 2015. E, diante das discussões atuais, o setor teme que o governo tribute ainda mais esse segmento, o que só contribuirá de forma direta para o aumento de práticas ilícitas e representará ainda mais lucratividade para os que operam na marginalidade.

Existem caminhos para mudar essa realidade. Com o avanço das discussões sobre reforma tributária, é chegado o momento de o governo e o Congresso reavaliarem a carga geral de impostos sobre os destilados e, também, valorizarem a cachaça, que deveria ser, na prática, um símbolo nacional. Além da reavaliação da carga tributária, é preciso analisar e corrigir outras distorções de mercado, implementar medidas para coibir o mercado ilegal e garantir arrecadação para o país.

As medidas corretivas incluem controle fronteiriço, tratamento isonômico entre as categorias de bebidas alcoólicas, estabelecimento de controle efetivo de produção que seja exequível para todos e não represente mais custos para o setor e, ainda, o combate a práticas tributárias que causam distorções em todo o setor. Outra ação de extrema importância é a conscientização do consumidor para que não consuma produtos ilegais.

O Brasil está passando por profundas mudanças. É imprescindível quebrar paradigmas, rever conceitos, encarar os desafios e construir, de forma conjunta, soluções que coloquem o governo, a sociedade e o setor privado do mesmo lado. Entendemos o importante papel que desempenhamos. Compartilhamos do sonho para a construção de um país melhor para todos e desejamos continuar contribuindo para a arrecadação do nosso país. Mas, no atual modelo, não haverá vencedores. As reformas que ora tramitam no Congresso Nacional são a oportunidade para se mudar esse cenário.

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