postado em 21/12/2019 04:05
O professor Cristovam Buarque publicou, recentemente, artigos e e-book avaliando questões que ele considera como ;erros estratégicos; da esquerda, e dos progressistas em geral, cometidos nos últimos 26 anos. No livro intitulado Por que falhamos, o ex-senador afirma que todo o campo político dito democrático e progressista foi punido pelos eleitores em razão de uma lista de 24 erros.
Apesar do detalhismo da análise, o professor não chegou a tocar naquilo que considero ser a maior falha dos governos dos últimos 30 anos: o desdém à cultura como meio estratégico para fazer frente ao crescimento do projeto de poder dos pentecostais e neopentecostais.
Cristovam alega que a esquerda alimentou o culto à personalidade de Lula, deixando o país em crise e decadência e a população descontente. O professor também aponta como erros da esquerda a omissão frente à corrupção, o fogo amigo, a falta de percepção para com a realidade da globalização e da ecologia.
Vai mais longe em suas críticas, ou autocríticas, elencando como falhas: o populismo, o corporativismo, a troca de prioridades básicas, o atendimento do gosto imediatista da sociedade, a promiscuidade entre os poderes, a falta de reforma do Estado, o combate às privatizações e a oposição às políticas econômicas de Itamar, FHC e Lula.
Mas Cristovam não consegue enxergar o longo e exitoso percurso que foi construído por religiosos-políticos de direita nos últimos 30 anos, que chegaram recentemente ao poder derrotando fragorosamente a esquerda. Há algumas décadas, todos vêm testemunhando o fechamento de livrarias e cinemas, cujos espaços são tomados por igrejas.
Os líderes religiosos que compram prédios e lojas de localização estratégica vêm expondo aos olhos de todos um competente trabalho de proselitismo que, há décadas, arrasta novas gerações para as fileiras das igrejas. Assim, a comunidade evangélica brasileira cresceu numericamente durante três décadas, provocando grande mudança em nossa sociedade.
Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, Universal do Reino de Deus, Igreja da Graça, Renascer, Poder Mundial, Sara Nossa Terra são grupos bem diferentes, mas têm origem comum: os Estados Unidos da América. Os dois primeiros, pentecostais, originam-se dos movimentos avivalistas adeptos do Espírito Santo. Os outros cinco, que são neopentecostais, têm origem na teologia da prosperidade, também importada dos Estados Unidos.
Apesar das diferenças entre as várias denominações religiosas, existe um aspecto que as aproxima: o fundamentalismo. O movimento fundamentalista, de características dogmáticas, de crenças irracionais, que muitas vezes chega ao fanatismo, teve origem no início do século 20 nos Estados Unidos, numa reação contra os movimentos modernistas da igreja. Sua origem primeira a encontramos no puritanismo, em que o radicalismo predominou.
As consequências do avanço desses movimentos hoje se escancaram, com os aspectos teológicos dando lugar à ideologia do conservadorismo. Assim, entre nós, já grassam o chauvinismo, a austeridade moral, a meritocracia. Outras facetas do movimento fundamentalista são aquelas que se revelaram no projeto político conservador que preconiza a escola sem partido e a cura gay. As controversas e já famosas ;Dez medidas contra a corrupção; também são fruto do processo de moralização do país empreendido por juristas que mesclam suas convicções a um discurso religioso.
Mas, enfim, qual foi a grande falha cometida pelos governos brasileiros nos últimos 26 anos, erro crasso que nos trouxe à atual situação? Minha resposta a essa pergunta é a seguinte: governos federal, estaduais e municipais deveriam ter se empenhado em criar um centro cultural ao lado, ou próximo, de cada igreja que surgia.
Grande parte do eleitorado de 2018 estava formada de cidadãos que, aos 9 ou 10 anos de idade, não tinham, em suas comunidades, boas opções de lazer, entretenimento e prática cultural. A igreja, e não o Estado, conseguiu arregimentar essa massa popular para suas fileiras, heroicamente a afastando das drogas e do crime.
Contudo, esse ato heroico poderia ; e deveria ; ter sido praticado pelo Estado laico, oferecendo aos jovens, em um salão ou em um galpão instalado ao lado de cada igreja, com ricas bibliotecas e brinquedotecas, jogos de salão, cinema, futebol, basquete, natação, cursos de violão, de desenho, de pintura, de composição musical, de flauta doce, de dança, de violino.