Opinião

Entre letras e imagens

postado em 22/12/2019 04:05

;Só não ganhou o Nobel. Do qual sempre se dizia não merecedor, nas várias vezes em que seu nome constava da lista dos prováveis. Nem sempre têm sido literários os critérios da Academia da Suécia. O prêmio não importa à sua obra, que vai durar. Mas importava, sim, ao Borges e seu humor ambíguo. O seu amigo (poeta Roberto) Alifano conta que caminhava uma tarde com ele por uma rua de Buenos Aires quando, da janela de um caminhão que passava, o motorista lhe grita: ;Borges e Maradona para todo mundo! Não morras nunca, mestre!’. ;Caramba, comentou Borges ; melhor estaria se ele gritasse isso em Estocolmo. Talvez conseguisse convencer os da Academia Sueca.;;

O parágrafo acima foi copiado de um belíssimo livro de Thiago de Mello, Borges na luz de Borges, que merece ser lido sempre. Outras vezes ouvi de viva-voz o poeta manauara contar o fato acrescentando que é uma glória um escritor ser reconhecido na rua por um motorista de caminhão e ser comparado a um grande jogador de futebol, afinal, demonstra que a literatura está no mesmo nível de importância dos esportes, acrescentando melancólico: ;Isso jamais aconteceria no Brasil;.

É verdade que o Nobel de Literatura nunca chegou às mãos argentinas, como também nunca nos chegou. Contou-me Antônio Olinto que ouviu de um acadêmico sueco a garantia que o Nobel de Literatura de 1953 seria de Jorge de Lima, mas o poeta morreu antes do anúncio, e o prêmio nunca é dado postumamente.

Com hábito do jornalismo, fui checar os dados. A história não bate. Jorge morreu em 15 de novembro de 1953, portanto, depois do anúncio do Nobel, que sempre acontece na primeira quinta-feira de outubro. Mas Olinto não mentiu. O poeta alagoano pode, sim, ter sido cogitado, mas, certamente, foi preterido pela força do ganhador daquele ano, o inglês Winston Churchill. Vale repetir com Thiago de Mello: ;Nem sempre têm sido literários os critérios da Academia da Suécia;.

Nunca acreditei na lenda que afirmava ter mais livrarias em Buenos Aires que em todo o Brasil, mas que eles se fizeram leitores mais constantes que nós, não há dúvida. Temos uma cultura visual muito marcante. Até mesmo na literatura primamos por descrições intensas de paisagens e personagens. Quem leu o primeiro capítulo do clássico Inocência, de Visconde de Taunay, sabe muito bem do que estou falando.

Enfim, confirmando nosso encanto pelo visual, o IBGE divulgou um preocupante dado referente a 2018: 17,7% dos municípios brasileiros têm livrarias e 23% ainda têm videolocadoras. Isso mesmo, não escrevi errado, as videolocadoras sobrevivem. Em 2001, ainda segundo o IBGE, 2.374 municípios brasileiros (42,7%) contavam com pelo menos uma livraria. Esse número caiu para somente 985 dos 5.570 municípios em 2018.

Tentando justificar o fato, Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional de Livrarias, culpa a internet. As compras on-line teriam desmotivado o surgimento de livrarias, mas o YouTube e a Netflix, por exemplo, são fenômenos da internet, e as viodeolocadoras sobrevivem. Analisados com cuidado, os dados do IBGE abrangem o período de 2001 a 2018, período de ascensão e queda das grandes livrarias: Cultura, Saraiva, Fnac. A política predatória dessa gente fechou as livrarias de bairro, recantos aconchegantes que, felizmente, começam a ressurgir.

O problema é ainda mais profundo e pode ser visto nas cenas deprimentes de milhares de livros triturados, virando papel reciclado. Os ;educadores; entrevistados dizem que não recebem os livros solicitados, que a culpa é da evasão escolar. Ora, livros são livros e devem ser lidos. Caso não tenha o Machado de Assis solicitado, leia o que chegar, alfabetize o último aluno que resistiu à evasão, é sempre uma semente em solo fértil, escreveria um parnasiano qualquer.

Desprezamos o livro porque não aprendemos a amá-los, cultivá-los, tê-los como ponto de apoio à formação cultural. As bibliotecas, quando existem, são mais depósitos que centro de conhecimento. E o resultado da tragédia, contava entre risos um poeta maranhense. Caminhando pela rua Duvivier, em Copacabana, no Rio de Janeiro, ouviu alguém gritar: ;Ali vai o famoso Ferreira Gullar, e eu não sei o que ele faz na vida...;

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