Ariovaldo Zani*
postado em 24/12/2019 04:05
Pelo gigantismo continental, abundância de recursos naturais e inquestionável potencial, o Brasil mereceria maior protagonismo no mundo comercial. Mas a falta de uma política comercial consistente e outros motivos, atrelados à (ir)responsabilidade doméstica, continuam sufocando os investimentos, afiançando a medíocre produtividade industrial e acorrentando pesada âncora à competitividade internacional.
A prevalência dos arroubos políticos e ideológicos, do protecionismo de interesse setorial, da burocracia tributária e da insegurança jurídica, neste (eterno) país do futuro (que parece nunca chegar), acaba por amplificar as tradicionais barreiras de acesso formal aos mercados. É justo reconhecer, contudo, que o governo vem se esforçando em prol dos exportadores de manufaturados, notadamente os voltados à pecuária, ou seja, da proteína animal, mediante medidas para retomada ou incremento da quantidade e diversificação embarcada e das negociações de alto nível para acesso aos mercados novos e estratégicos.
A integração às cadeias produtivas e de varejo globais dinamiza o fluxo exportador e traz escala (mais mercadorias e/ou maior valor agregado), que, em contrapartida, demanda mais importação de produtos intermediários indispensáveis e não produzidos localmente. Essa cooperação estabelecida com o parceiro comercial (win/win relationship) justifica maior exposição ou abertura comercial, enquanto o rápido e contratado intercâmbio (garantia de abastecimento regular via internalização/importação dos insumos ou expedição/exportação das mercadorias) é assegurado pela harmonização global de classificação aduaneira.
A respectiva convenção internacional, responsável pela designação e codificação universal de mercadorias transacionadas entre os países signatários (entre eles o Brasil), assegura que a cada mercadoria corresponda apenas a uma classificação numérica, cujo caráter vinculante possibilite a internalização dos atos pela autoridade local, a exemplo da Coletânea do Sistema Harmonizado, atualizada em 2017 pela Organização Mundial das Aduanas (SH/OMA) e publicada pela Receita Federal em dezembro de 2018.
Os empreendedores organizados setorialmente, por sua vez, reputam demasiadamente dilatado o intervalo apurado, além de incompatível com a moderna gestão das cadeias de suprimentos, que, impulsionadas pela acirrada competição internacional, tem sobredosado os parâmetros de qualificação dos fornecedores no intuito de encurtar o prazo de entrega (lead time) das mercadorias, fenômeno que sujeita toda e qualquer interface envolvida. O conjunto de argumentos elencado pelo setor privado roga pela formalização da internalização das atualizações imediatamente depois da publicação dos pareceres conclusivos emitidos pelo SH/OMA, já que as atualizações tecnológicas e os padrões comerciais resultantes continuarão frequentemente modelados por força da inovação.
Ademais, a expedição de um ato declaratório interpretativo para uniformização do entendimento da fiscalização nas diversas aduanas certamente mitigaria o desgaste da imagem do fornecedor perante seu cliente e o desnecessário prejuízo econômico, quando da retenção da carga e sobre-estadia. Apesar de amparados por laudos de institutos, além de pareceres de peritos renomados, não resta alternativa aos importadores senão se defender das autuações no âmbito administrativo e, posteriormente, na esfera judicial.
Bom exemplo se aplica às autuações atribuídas à importação da vitamina E (produtos orgânico e quimicamente definido universalmente, no Capítulo 29) e, via de regra, reconduzida por parte da fiscalização ao Capítulo 23 (preparações ou misturas para alimentação animal). Ainda que os litígios tenham repetidamente culminado em sentenças favoráveis aos importadores, alguns agentes de fiscalização continuam insistindo na reclassificação em desarmonia com as disposições trazidas pelas Notas Explicativas do Sistema Harmonizado/Nesh. A combinação de uma consistente abertura comercial ao cumprimento das regras universais de harmonização aduaneira vai assegurar a confiabilidade da política comercial brasileira. Ao governo basta apenas alinhar o discurso à prática.
*Vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações)
*Vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações)