Jornal Correio Braziliense

Opinião

Artigo: Perder tempo

Não é a primeira vez que me encontro na situação de escrever na véspera de Natal. Espero que não seja a última. Acreditar é preciso. Os últimos dias do ano são cheios de promessas de futuro melhor e explicações para o que ocorreu no tempo que passou. Tudo conversa fiada. Boa parte do ocorrido se deveu ao acaso, aos desígnios do destino, a golpes de sorte ou de infortúnio.

Quem lembrar das profecias dos economistas no início deste difícil 2019 vai encontrar previsões sombrias para todo o período. A situação estaria sempre entre muito ruim e péssima. Ou seja, o país esteve a um passo de afundar no fogo do inferno. Tudo perdido. Não havia horizontes. E não foi o que aconteceu. Os críticos agora elogiam a situação atual e anunciam tempos melhores. Porém, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deverá ser igual ao do ano anterior. Ou seja, terminamos o período numa situação semelhante à pré-existente. O resto é fanfreluche.

Nada de novo sob o sol. O brasileiro sabe jogar com tempo e oportunidade. Essa é característica de povo colonizado. Na América Espanhola, havia um ditado, praticado pelos donos de terra na sua relação com as ordens originárias de Madri: ;Obedezco, pero no cumplo;. Obedeço, mas não cumpro. O idioma português praticado na América do Sul permite o duplo sentido e abre espaço para escapatórias. Os brasileiros costumam brincar com os portugueses, porque o idioma que eles falam é preciso, objetivo e prático. Aqui, ao contrário, o sentido das palavras se modifica ao sabor das conveniências políticas, sociais e econômicas do momento.

O ministro Paulo Guedes é obcecado pela ideia de implantar algo semelhante à antiga Contribuição Provisória de Movimentação Financeira (CPMF). O presidente Bolsonaro se comprometeu na campanha em não adotar este novo imposto. Então o ministro procura nova designação e outra motivação, tudo para alcançar o mesmo objetivo, sua obsessão. Tirar mais dinheiro da população e engordar o caixa do Tesouro Nacional. O governo se comporta com uma entidade distinta do povo. Também é fenômeno originário da colonização. No Brasil, o Estado surgiu antes do povo.

Como disse certa vez, com notável ironia, o ex-ministro Delfim Neto. No Brasil é necessário trocar o povo. Até agora dirigentes e dirigidos não se acertaram quanto a objetivos. Um grupo em Curitiba conseguiu avançar no combate à corrupção. Obteve notável sucesso. Empresas enormes naufragaram sob o peso de acusações pesadas e processos criminais que correm por tribunais em diversos países. Muita gente foi presa. Empresas naturalmente sucumbiram. E curiosamente vozes do Judiciário apareceram para criticar o combate à corrupção, porque ele aparentemente destruiu empresas. O contrário, portanto, seria mais proveitoso. Estranho.

É o caso espantoso da hidrelétrica de Belo Monte, construída no Rio Xingu, no sul do Pará. Projetos de hidrelétricas exigem o estudo de metrologia do rio por décadas. Os técnicos sabiam que o Xingu sofre uma forte baixa na vazão no segundo semestre do ano. Ainda assim, ergueram a barragem e instalaram turbinas para produzir algo parecido com onze milhões de quilowatts/hora. Mas, durante a seca, a hidrelétrica produz menos de quatro milhões e precisa desligar as turbinas. Agora, seus proprietários querem construir usina térmica ; movida a petróleo ; ao lado do colosso de R$ 40 bilhões para gerar a energia que está faltando por causa da seca do Xingu. Era mais fácil não construir Belo Monte e, sim, algumas usinas termoelétricas. Mário Henrique Simonsen tinha razão: melhor pagar propina e não fazer a obra. É mais barato.

Alguns índices brasileiros sofreram modificações importantes nos últimos tempos. A taxa de juros caiu muito. Está na faixa de 4,5% ao ano. Por causa disso, o investimento estrangeiro secou. Antes, ele vinha para cá em busca de remuneração espetacular de 10% ou 12% ao ano quando, nos Estados Unidos e na Europa, os juros andavam em torno de 0,5% ao ano ou menos. Ou seja, os brasileiros pagavam uma barbaridade para ter dinheiro especulativo aqui.

O governo dos Estados Unidos pressiona a China para comprar mais produtos agrícolas lá. Isso significa que os chineses vão comprar menos aqui. Não existem amigos no comércio internacional. Existem interesses. A diplomacia realizada pelos meninos do Bolsonaro é ingênua, não mede consequências e pratica a coragem dos ignorantes. Os tempos de globalização avassaladora originários da Ásia não abrem espaço para amadorismos. Mas o Brasil, como sempre, saberá perder tempo com o maior estilo. Feliz Natal e melhor ano-novo.

*jornalista