Opinião

A covardia perpetuada

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 26/12/2019 04:13
Aconteceu de novo. Mais um homem se achou no direito de matar uma mulher após ela romper o relacionamento. É o novo capítulo da mesma história: a violência praticada contra a mulher. O enredo é o mesmo. Mudam apenas os personagens, as vítimas assassinadas e os parentes e amigos obrigados a sobreviver à tragédia da perda precoce de Marias, Letícias, Lilians e, mais recentemente, Luciana de Melo Ferreira, 49 anos, moradora do Sudoeste Econômico.

Como na maior parte dos casos, ela perdeu a vida de forma brutal, dentro de casa, pelas mãos do homem que um dia amou. A filha se deparou com o corpo da mãe coberto de sangue e coube a ela pedir socorro à polícia. Também foi ela, a filha, quem voltou ao apartamento no dia seguinte, acompanhada por um casal, para limpar o sangue que ficou no chão. Nenhuma filha deveria passar por isso! O corpo de Luciana é o 33; tombado no Distrito Federal por mãos masculinas.

É urgente entender os porquês de tanta crueldade. Neste dezembro, o livro Corpos Empilhados, da escritora, roteirista e artista plástica Patrícia Melo, chegou às minhas mãos por meio de uma amiga. ;Você precisa ler isso;, disse ela. A publicação é um mergulho em casos de violência doméstica que acabam em feminicídios. É um soco no estômago a forma como a autora demonstra, num misto de ficção e realidade, como o silêncio das vítimas, a omissão do Estado, o machismo e a misoginia perpetuam as agressões e tendem a banalizar os crimes de gênero.

A matança de mulheres é um problema do Estado, cuja missão nessa luta é fortalecer as políticas públicas de acolhimento das vítimas, incluir a discussão do assunto nas salas de aula, qualificar os servidores públicos, ampliar espaços de acolhimento das vítimas e ter um programa continuado e estruturado de acompanhamento dos órfãos dessas mulheres. É muito esperar de uma criança que presencia a mãe ser morta que ela tenha um desenvolvimento pleno e saudável. É muito esperar que a filha de Luciana consiga sobrevier ilesa ao fato de ter se deparado com a mãe morta no apartamento que dividiam.



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