Opinião

Artigo: Mais pontes. Menos muros

''Conseguimos conversar com adversários, admirar inimigos, relativizar atos ilegais, suavizar grosserias, justificar erros. Fazemos isso quando ouvimos atentamente as razões do outro''

Ana Dubeux
postado em 29/12/2019 11:32
''O filme Dois Papas, do cineasta Fernando Meirelles, faz pensar sobre as diferentes verdades de homens vistos como Deus''Experimente ficar frente a frente, para uma conversa franca e sem rodeios, com alguém cuja visão de mundo é oposta à sua. O que lhe parece? Na maioria das vezes, é assustador dar vez e voz ao nosso contrário. Ouvir os argumentos de alguém que ousa pensar diferente é o primeiro passo para desenvolver alguma empatia ; sim, em casos extremos, pode ser também a total repulsa. Mas, na maioria das vezes, o resultado é o acesso direto ao que há de melhor no outro. Há uma humanidade que grita dentro de cada um de nós, mas precisamos de generosidade para escutá-la.

Conseguimos conversar com adversários, admirar inimigos, relativizar atos ilegais, suavizar grosserias, justificar erros. Fazemos isso quando ouvimos atentamente as razões do outro ; que dificilmente são as nossas, mas somos, sim, capazes de compreendê-las. O filme Dois Papas, do cineasta Fernando Meirelles, faz pensar sobre as diferentes verdades de homens vistos como Deus. Ainda que não sejam, são tratados como tal pelo imaginário coletivo. Em entrevista ao jornalista Ricardo Daehn, do Correio, Meirelles decreta: ;Ser papa é a pior profissão do mundo;.

As conversas fictícias entre Bento XVI e o cardeal argentino Bergoglio, que viria a sucedê-lo como papa Francisco, são um recado claro de que todo diálogo é possível. Ainda que com trajetórias e visões diferentes sobre uma Igreja em plena crise, dois papas tornam-se dois homens, com fragilidades postas na mesa, servindo um banquete farto de atributos humanos, contando aí os erros, as dúvidas, as fraquezas, as tristezas e as ambições.

O cineasta resume bem a intenção: ;Acho que a Igreja está tão polarizada quanto o Brasil ou o resto do mundo. Meu filme não prega, mas mostra que o diálogo é uma possibilidade. Eu acredito nisso. A produção fala sobre construir pontes, e não muros ; isso vale para as nossas relações pessoais, para a política e mesmo para a prática espiritual;.

De fato, o filme nos leva a essa reflexão. Independentemente do quanto de realidade tem no enredo, faz um bem danado assistir a ;duelos; de personalidades, pontos de vistas e visões de mundo distintas. Belo exercício de tolerância para 2020.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação