Correio Braziliense
postado em 05/01/2020 04:05
Creio que concordamos todos que a educação formal é muito importante no mundo de hoje, particularmente nas áreas de ciência, tecnologia e humanidades. Sem as primeiras, não temos como nos colocar entre as nações mais importantes do planeta; sem a área de humanas, não temos como escolher para onde queremos ir, como sociedade. Sim, a Educação é fundamental, mas o fato é que ela não anda muito bem por aqui. Sabemos que o país precisa melhorar nessa área, que uma nação formada por analfabetos (reais ou funcionais) nunca conseguirá ganhos duradouros. Há vários anos fala-se disso e o Brasil continua com uma educação formal de muito má qualidade em todos os níveis, da primeira fase do fundamental (o antigo curso primário) até o ensino superior. Pior: em alguns setores, houve nítida perda de qualidade, que vem ocorrendo com a chamada democratização do ensino. A equação é clara. Para a antiga classe média, o ensino público tinha qualidade, mas não abrangência. E, ao atingir uma faixa mais ampla da população, ganhando em abrangência, perde em qualidade. Se pouco tempo atrás uma afirmação desse tipo encontrava contestadores, atualmente, não há ninguém razoavelmente sério, dentro ou fora do governo, que discorde da evidência: qualidade e quantidade não estão caminhando juntas na educação brasileira.Para solucionar a questão, aí sim, parece haver duas linhas de pensamento bastante discordantes. De um lado os “economistas da educação”, de outro, os “corporativos”. Para os primeiros, a questão toda seria rapidamente resolvida com um choque de gestão. O ponto de partida deles (é dogma de fé, não constatação empiricamente comprovada) é que sempre dá para economizar, como em qualquer empresa bem dirigida. Assim, colocando-se (é claro) economistas ou administradores de empresa tocando ministérios e secretarias de Educação, aproveitando-se melhor o dinheiro, a educação melhoraria muito sem que houvesse necessidade de aumentar o orçamento da área.
No outro extremo, aparecem os corporativos, para os quais a solução seria aumentar os salários. Para eles, professores precisam de motivação, e motivação é dinheiro, salário no fim do mês e não blá-blá-blá. Já ouvi até argumento segundo o qual a relação do mestre com o empregador (empresas de educação, fundações ou mesmo alguma instância governamental) é baseada na extração da mais-valia, o professor é um trabalhador como qualquer outro. E dá-lhe luta de classes...
Nem é necessário dizer que as duas visões, a de economistas e coorporativos, embora tenham suas virtudes, pecam por um simplismo franciscano, num assunto que é de uma complexidade dominicana. Se acrescentarmos a essa discussão rasa e inconsequente os interesses políticos envolvidos na educação, constataremos que não vale a pena manter uma rigidez de supostos princípios que não levam a nada de bom, a não ser para os próprios grupos políticos. Um ex-ministro me garantia que “a Educação é uma excelente forma de se chegar às bases, uma vez que, por meio dos prefeitos de milhares de cidades, o grupo político no poder ganha enorme capilaridade, poder de barganha e chances eleitorais”. Convenhamos, isso nada tem a ver com melhorar a educação.
Da mesma forma, não é interessante para a Educação uma política ridícula de fiscalizar e denunciar professores (como não fazia sentido a tentativa de transformar educadores em vetores de mensagens político-partidárias). Em poucas palavras: classes e escolas não podem ser transformadas em palanques de ideologias políticas, quaisquer que elas sejam. Isso é coisa de regimes totalitários (como o nazista, na Alemanha; comunista, na União Soviética), não de democracias, necessariamente pluralistas.
Então, não tem solução? Tem, sim. Basta fazer as coisas com seriedade e organização. Que se faça uma lista de pontos a serem trabalhados nos próximos três anos; que haja discussão aberta (mas objetiva, com calendário rígido) com todos os setores interessados da sociedade e que se programem medidas que se têm mostrado vencedoras em vários países em que eram colocadas em prática, sejam elas da bíblia dos economistas, seja do corão dos corporativos. O Ministério da Educação será responsável por levar esse processo para a frente (discussão e implementação), com o apoio de secretários estaduais e municipais, assim como dos Legislativos.
Papel importante teria que ser desempenhado pelas universidades (as de verdade), assim como pelas entidades representativas de profissionais ligados às disciplinas básicas do ensino fundamental (associações de matemáticos, linguistas, historiadores e geógrafos, por exemplo). Entidades ligadas aos editores, gráficos e papeleiros poderiam colaborar (mesmo porque seriam beneficiados com a colocação de milhões de novos leitores no mercado) e sindicatos de professores deveriam fazê-lo. Mas o pressuposto para entrar na discussão é aceitar, democraticamente, o resultado da união de contrários. Vamos, pelo menos, tentar?
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