Opinião

A contraditória política migratória brasileira

Correio Braziliense
postado em 06/01/2020 04:13

Passados dois anos da promulgação da Lei de Migração e um ano do início do atual governo, pode-se dizer que não temos hoje uma política migratória definida, que balize, de forma clara, as relações do Brasil com os outros países no que diz respeito ao fluxo migratório de cidadãos. A nova lei foi elaborada a partir de uma perspectiva de garantia de direitos, de repúdio à xenofobia e à discriminação de qualquer ordem.

Na teoria, veio para facilitar o processo de obtenção de documentos tanto para regularizar a residência do imigrante no Brasil, como para lhe garantir o acesso ao mercado de trabalho e a serviços públicos. Uma guinada em relação à antiga norma, cujo foco era a segurança nacional e acabava extrapolando muitas vezes para a criminalização do estrangeiro.

Também é conhecido que qualquer legislação, sem a instituição de políticas públicas adequadas, não se efetiva. E, neste momento, além de não conhecermos as diretrizes do governo para a área imigratória, defrontamo-nos, dia a dia, com um sem número de medidas adotadas de forma atabalhoada, sem critérios objetivos, que se contradizem quando comparadas umas com as outras.

Antes mesmo de assumir o cargo, o presidente da República já criticava a lei de 2017, afirmando que “ninguém quer botar certo tipo de gente para dentro de casa”. O que não se imaginava, entretanto, é que as decisões sobre quem entraria ou deixaria de entrar seriam tomadas ao sabor do momento, sem a definição de uma política geral — mais rígida ou mais flexível —, o que torna o cenário bastante imprevisível.

Cito exemplos. Em março deste ano, Bolsonaro assinou um decreto para isenção de visto de visita para turistas dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão que viajarem ao Brasil. Apesar de ser medida unilateral, sem a contrapartida de que os brasileiros tenham o mesmo benefício para entrar nesses países, o decreto tem o objetivo positivo de atrair turistas e negócios para o país.

Em julho, violando o que diz a legislação em vigor e leis internacionais de proteção a refugiados, o Ministério da Justiça anunciou a Portaria 666, determinando o impedimento de ingresso e a deportação sumária de “pessoas perigosas”. Pressionado por setores da sociedade e pela própria Advocacia-Geral da União, o ministério revogou a portaria e editou uma nova, que, embora mais branda, manteve o caráter restritivo e pouco objetivo.

Mais recentemente, foi a vez de a China e, depois, de o Catar contarem com o anúncio de isenção de visto para que viajantes desses dois países entrem no Brasil. A medida anunciada, no entanto, ainda não está vigorando. No caso da China, depois de fazer duras críticas ao país durante a campanha eleitoral, o presidente parece ter se rendido à realidade de que o país está entre os principais parceiros comerciais do Brasil. Uma relação que, em 2018, gerou superavit de cerca de US$ 30 bilhões para nós.

A questão com a China torna-se ainda mais complexa quando se olha para as atuais e futuras negociações em torno dos setores de petróleo e energia. Trata-se de um parceiro cada vez mais estratégico. Assim, a abertura aos chineses pode, sim, ser vista como bem-vinda e assegurar facilidades não só para turistas como para viajantes de negócios, uma vez que o consulado de lá é hoje bastante burocrático para emitir vistos para o Brasil. Por seu lado, membros da diplomacia brasileira alertaram para o risco de que a medida facilite a entrada irregular de imigrantes daquele país. O turista chinês é hoje um dos mais cobiçados do mundo pelo que movimenta em termos econômicos, mas nem por isso tem sido dispensado de visto pelos demais países.

Em relação aos países vizinhos, a acolhida aos refugiados venezuelanos tem sido mantida, mas não dentro de uma visão humanitária, e sim de ofensiva ao governo daquele país, ao qual o presidente brasileiro faz forte oposição. Ao que parece, estamos diante de um quadro que não tende a melhorar, ou ser mais transparente e previsível. Temos uma legislação moderna, que atende tanto às demandas humanitárias quanto aos interesses de beneficiar a economia, que visa desburocratizar a vida de quem vem para o Brasil trabalhar e assegurar direitos a todos que aqui residam. No entanto, às já atrapalhadas regulamentações que se seguiram à lei somam-se, agora, medidas ocasionais e imprevisíveis e a ausência de uma política criteriosa, que norteie nossas relações com os estrangeiros. A conta para uma boa solução não fecha e, de contradição em contradição, deixamos de avançar.

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