Opinião

Artigo: Oposição, secos e molhados

Correio Braziliense
postado em 09/01/2020 04:16
Desde antes de assumir o poder, Getúlio Vargas percebeu que teria na imprensa não uma apoiadora, mas uma adversária. Pelo menos na imprensa séria. Conviveu mal com as ironias de Aparício Torelly, o Barão de Itararé, até que, em 1937, o ditador deixou a máscara de lado e resolveu pesar a mão. Em 1939, criou o Departamento de Imprensa e Propaganda e colocou seu fiel lacaio Lourival Fontes para controlar a publicidade oficial, a importação de papel jornal e, sobretudo, aterrorizar os veículos hostis ao governo. Em 1940, houve a intervenção no jornal O Estado de S.Paulo, somente devolvido à família Mesquita cinco anos depois, com Vargas já fora do poder.

Sucedeu-o o marechal Eurico Dutra, criticado e debochado pela imprensa pelas suas reconhecidas poucas luzes intelectuais. Reclamava diariamente com assessores diretos: “Mas eu tenho que ler ‘ixo’?” (por um problema de dicção, o ex-ministro da Guerra de Vargas pronunciava Cês e Esses com som de Xis).

Volta Vargas e entortava-lhe a boca o hábito do cachimbo ditatorial. Não se sabe exatamente a extensão do seu envolvimento no atentado da Rua Toneleiros, mas o fato é que foi praticado contra um jornalista, Carlos Lacerda. Deu errado. Vargas meteu uma bala no peito.

JK viveu às turras com Horácio de Carvalho, do Diário Carioca, e com Roberto Marinho, d’O Globo. Jânio detestava a imprensa e abespinhou-se com jornais e jornalistas. Irritava-o as opiniões contrárias, assim como a Jango — que perdia o equilíbrio com o agressivo Correio da Manhã.

Na ditadura, inúmeros são os casos de tentativas de adestramento da imprensa, inclusive pela pressão contra a saúde financeira dos veículos. O Correio da Manhã morreu assim.

Houve a censura, que levou o Jornal do Brasil a publicar receitas culinárias nos espaços nos quais sairiam reportagens vetadas. Houve a tortura, que assassinou Vladimir Herzog. Houve o desterro, que levou Helio Fernandes à longa temporada no então isolado arquipélago de Fernando de Noronha. Houve intimidação e prisão, que fez com que jornalistas do Pasquim ficassem presos em unidades do Exército. Houve tanta violência que não cabe neste parágrafo.

Pensava-se que a democracia seria a seara do respeito à opinião contrária. Não é. Acreditaram até mesmo que tinham forjado a bala de prata para o adestramento da imprensa: o controle social da mídia, de inspiração de gente com passagem por redações!

Tudo isso para dizer que nem a imprensa vai acabar, nem o jornalista está em extinção. Inclusive, deixo para o presidente Jair Bolsonaro uma sugestão de leitura: A História da Imprensa no Brasil, de Nélson Werneck Sodré. Mostra com clareza as razões pelas quais é preferível ter um jornalista contra do que um adulador a favor. De bônus, o fato de que o autor dessa obra foi um graduado oficial do Exército. Encerro com Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.

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