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Correio Braziliense
postado em 12/01/2020 04:05
Fé no Estado laico

Pela Constituição de 1988, em seu art. 19, fica proibido aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Quis a Magna Carta estabelecer, de forma legal e legítima, a separação entre Igreja e Estado, conforme foi, inclusive, estabelecida, desde o Decreto nº 119-A, depois inserido na Constituição de 1891.

O Estado, dessa forma, é caracterizado como laico. Embora seja facultada a liberdade religiosa, o poder público deve manter equidistância e independência com relação a todos os cultos religiosos e, igualmente, a igrejas de qualquer credo, sendo seu dever apenas proteger e garantir o livre exercício de todas as crenças. Essa separação, que de forma alguma significa uma cisão violenta, é garantida por uma espécie de muro legal e abstrato que é o interesse público. Em outras palavras, isso significa que ao Estado é vedado qualquer tipo de subvenção ou auxílio com dinheiro público a toda e qualquer igreja, seja ela da preferência do presidente da República, dos governadores, prefeitos, deputados, senadores ou outro político no cargo ou função de Estado.

Na opinião de eminentes juristas, essa é uma medida essencial e básica para a manutenção da própria democracia e pluralidade de ideias e opiniões. Infelizmente, e diversas vezes, esse importante quesito legal e constitucional vem sendo desrespeitado desde o primeiro dia da promulgação da Carta de 1988, não apenas pelos presidentes, mas pelos governadores, prefeitos e pela grande maioria de parlamentares. A leitura enviesada e marota do preâmbulo da Constituição que invoca a proteção de Deus não se refere a esse ou aquele Deus específico, seja de católico, seja protestante, mas ao Deus de todos os crentes em sua existência.

A experiência ao longo da história da humanidade tem mostrado que as teocracias, nas quais os governos são operados sob o argumento de que essa é a vontade divina e, portanto, indiscutível no plano terrestre, e  que os chefes de Estado foram ou são representantes diretos da divindade, são estados ditatoriais e opressores. Nesses países, Estado e religião formam um único corpo institucional. Nesses estados, a cúpula do governo é formada por clérigos que conduzem com mão de ferro a sociedade, impondo todo o tipo de opressão e sacrifícios, exceto para eles, blindados por uma espécie de manto sagrado.

No dizer de Marx Weber, esse tipo de governo utiliza a chamada “ética da convicção” da verdade. Contrariamente, as sociedades democráticas são orientadas pela “ética da responsabilidade”, em que toda e qualquer consequência dos atos, das pessoas e das autoridades deve ser considerada e julgada.

Essas considerações iniciais vêm a propósito das seguidas manifestações do atual governo, que por suas deficiências de leitura da realidade ou do que dizem as leis, em diversas ocasiões, manifestou apoio, ou mais precisamente, o apoio do governo federal a determinadas religiões. Ao afirmar que deseja, para a próxima vaga do Supremo Tribunal Federal, “alguém terrivelmente evangélico”, o presidente incorre em desobediência à Constituição.

Da mesma forma, quando pretende elaborar um decreto concedendo subsídio na conta de luz para templos religiosos, mesmo com parecer contrário do Tribunal de Contas da União, o presidente incorre em descumprimento de preceito constitucional. Do mesmo modo e em igual gravidade, é possível declarar que a formação de uma bancada evangélica, dentro do Congresso Nacional, pressionando e orientando o governo a tomar certas decisões, é uma afronta a esses preceitos trazidos em nossa Carta.

Dizer que o apoio a essa igreja não passa de estratégia política para garantir governabilidade em nada diminui essa transgressão. O poderio que algumas igrejas de orientação neopentecostal vem ganhando, no Brasil, principalmente dentro da máquina do Estado, por si só, deveria ter acendido a luz vermelha no próprio Supremo ou dentro do Congresso, não fosse ele hoje dominado por essas correntes religiosas.

Mais do que fé , no seu sentido estrito, é preciso atenção e reflexão ao que vem acontecendo hoje no mundo em nossa volta. Na Europa, a entrada de grandes massas de refugiados muçulmanos vem acarretando sérios problemas de ordem religiosa, com os forasteiros impondo sua fé pela violência, numa espécie de cruzada às avessas. Muitas Mesquitas têm sido apontadas pelos órgãos de inteligência daquele continente como sendo centros de treinamento e doutrinação antiOcidente.

A confusão entre religião e Estado é perniciosa para a sociedade livre, gera conflitos sectários e só serve àqueles que buscam no caos um meio de controlar o Estado. No Brasil, a notícia de que o ex-presidente e ex-presidiário Lula está numa cruzada pelo país em busca de criar, dentro das igrejas evangélicas, núcleos petistas, com vistas a uma pretensa volta ao poder, revela o poderio dessas confissões religiosas no Brasil atualmente.

Repetia o filósofo de Mondubim: “Um olho no padre e outro na missa”. Ou seja, ver e entender as coisas de Deus, mas com um olho no mundo dos homens, suas fraquezas e vícios. O próprio Jesus ensinava, de forma didática e até profética, percebendo a grande tribulação que era confundir o céu com a Terra: “A Deus o que é de Deus, e a César, o que é de César.


A frase que foi pronunciada

“A falsa ciência cria os ateus, a verdadeira, faz o homem prostrar-se diante da divindade.”
Voltaire, escritor, ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês.


História de Brasília
Vendo esta discussão do sr. Adauto Lúcio Cardoso com o Prof. Hermes Lima, eu me lembrei de uma coisa. Vou perguntar ao dr. Hugo Mósca  que fim levou aquela representação do sr. Adauto contra o então presidente Ranieri Mazzilli e os ministros militares do sr. Jânio Quadros. (Publicado em 13/12/1961)



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