Correio Braziliense
postado em 13/01/2020 11:13
É impressionante como vivemos num tempo de naturalização da barbárie. As práticas mais desumanas parecem mais do que nunca autorizadas. A concepção de direitos humanos, que reúne um conjunto de consensos mínimos de preservação das pessoas e enfrentamento das violações, está em xeque. Talvez o melhor exemplo da situação dos direitos humanos no nosso país sejam os sistemas de privação de liberdade, violentos e anticivilizatórios. Depois de ler a frase acima, muita gente pode vir com a frase clássica: lá vem o povo dos direitos humanos! Sim, estamos aqui.Ao tempo que ouvimos essa frase, que revela um descontentamento com nossa presença, somos frequentemente questionados por nossa ausência: cadê o povo dos direitos humanos agora? Os direitos humanos tratam da expressão da liberdade, da dignidade e de acesso a direitos básicos que, em conjunto, significam uma concepção mínima do bem viver. No entanto, a defesa dos direitos humanos é trabalho complexo para o qual, diante de tantas violações, temos que adotar estratégias a fim de direcionar esforços e recursos, que são muito escassos. Por isso, “o povo dos direitos humanos” de fato não estará em todos os lugares, em todos os momentos.
O enfoque da defesa dos direitos humanos não deve mesmo ser nas elites. Primeiro, por sofrerem violações de direitos humanos muito mais raramente que os pobres e, segundo, por terem melhores condições de defenderem os direitos quando os têm violados. Por isso, a turma dos direitos humanos concentra muita energia em intervir a favor “dos manos”, os grupos sociais com menos voz e poder político na sociedade. Isso não significa não enxergar o conceito por inteiro, mas estratégia para sua defesa integral em condições muito desfavoráveis.
É tarefa fundamental de qualquer defensor de direitos humanos olhar de forma especializada para onde o desrespeito aos pactos é mais gritante. Um dos lugares é o sistema prisional. O sofrimento de pessoas presas e dos familiares é chocante. É preciso trazer luz e colocar no debate público as instituições de privação de liberdade, sua cultura institucional, a sua eficácia. Qual percentual estuda ou trabalha ou desempenha alguma atividade de cunho pedagógico? Vivemos num sistema de hiperencarceramento no Brasil e quais são os resultados dessa política para a segurança pública?
Temos mais de 700 mil pessoas presas hoje e isso não implicou qualquer melhora dos índices medidos de violência. Os agora chamados de policiais penais cobram, com razão, melhores condições de trabalho e maior efetivo. Os familiares cobram tratamento digno para si e os internos. Os apenados dizem não ter acesso a nenhum instrumento interno que não seja um consolidado mecanismo de repressão e disciplina que não tem quase nenhum traço educativo ou socializante. No mínimo precisamos pensar como o sistema prisional é gerido.
Em dezembro, aprovamos em primeiro turno lei que proíbe a revista vexatória nas unidades de internação. Vejam bem: tratava de proibir a revista em visitantes que toca nas cavidades dos familiares ou os obriga ao desnudamento. Proibição que já é amplamente recomendada pelos organismos internacionais e aprovada em alguns estados brasileiros. Todas as revistas deveriam ser feitas pelo sistema de scanners que já existem e garantem a segurança necessária ao procedimento.
E, mesmo assim, a reação foi surpreendentemente negativa de parlamentares e agentes públicos que não se propõem sequer a pensar alternativas. Direitos humanos são pra todas as pessoas, sim, mas devem neste momento ser voltados de forma especializada para quem tem os direitos violados das formas mais atrasadas e desumanas. Precisamos acordar e olhar com muita coragem para os sistemas de privação de liberdade que aniquilam trajetórias muito mais do que oportunizam novo horizonte.
*Deputado distrital pelo Psol e presidente de Direitos Humanos da CLDF
*Deputado distrital pelo Psol e presidente de Direitos Humanos da CLDF
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