Opinião

Artigo: A ética e as academias

Correio Braziliense
postado em 15/01/2020 04:43
Estariam as nossas academias se ocupando das questões éticas nas sessões literárias? O tema tem sido focado constantemente? Em busca de respostas, percorri os discursos proferidos na Academia Brasileira de Letras (ABL). O resultado, que apresentei como parte de pronunciamento proferido na Academia Campinense de Letras, seguiu-se à análise de um Brasil que, apesar de maculado pela sucessão de escândalos de corrupção, é também pontilhado por ações e reações da sociedade, que trazem a questão ética para o centro do debate nacional. A seguir, algumas reflexões de acadêmicos sobre nosso tema:

Dantas Barreto (sessão solene de 7 de janeiro de 1911), referindo-se a Joaquim Nabuco, declara: “Proclamemos cheios de confiança o direito de todos os brasileiros aos favores do nosso pacto fundamental e, se houver classes privilegiadas no país, acabemos com essa ilegalidade que o nosso regime não comporta. Acentuemos bem que todos os homens desta nação livre devem ter os mesmos direitos políticos e de representação, na esfera da sua competência, seja socialista exaltado ou republicano radical, católico ou protestante. Onde houver o culto da justiça não pode vingar a planta da tirania, cujos últimos rebentos se extinguiram nos países americanos”.

O Acadêmico Alceu Amoroso Lima (sessão solene de 14 de dezembro de 1935) ensina: “Leva a literatura o homem facilmente ou muito acima ou muito abaixo de si mesmo. ... Quantas vezes, porém, é bem diverso o que nos é dado ver nesse terreno. Em vez de inquietação literária, a displicência. Em vez do amor, a libertinagem. Em vez do drama da vida, o divertimento. Torna-se a literatura, então, um simples passatempo ou uma vaidade. À vocação imperiosa substitui-se a vontade de brilhar. Cede a tragédia de reviver a vida à preocupação de dizer coisas bonitas ou engenhosas. ... Cultura e trabalho devem caminhar harmoniosamente, na sociedade, em benefício da vida nacional e do bem comum”.

O Acadêmico Antônio da Silva Mello (sessão solene de 16 de agosto de 1960) lamenta a idade avançada com que chegou à ALB: “Cheguei tão tarde, tão avançado em idade, que não tinha mais o direito de viver, e menos ainda de aspirar à imortalidade. Eu próprio, chegando tão tarde, vim ainda cheio de dúvidas e temores, porque vejo na Academia o que ela realmente é: uma instituição de alta nobreza e dignidade, que deve amedrontar os tímidos e os humildes”.

Em resposta, o acadêmico Múcio Leão pondera: “Alguns pensamentos mais vivamente me feriram a sensibilidade. E creio que neles temos um pouco do reflexo de vossa alma numerosa e rica. Ouçamos alguns desses belos aforismos — em todos os quais sentimos o pensamento de um homem autêntico, que não se deixa em deformações ou em enganos. ‘O segredo maior da vida, do sucesso, da felicidade, está em o indivíduo agir, atuar, viver de acordo com as tendências íntimas do seu ser, de executar a tarefa para qual tem verdadeira vocação’. As nossas academias, a de Letras, a de Medicina, a de Ciências, algumas delas com múltiplos similares estaduais, não deixam de lembrar a antiga Guarda Nacional, onde qualquer pacífico cidadão, falto de qualquer conhecimento da arte da guerra, se torna alta e brilhante patente militar. Em vez de valores reais, de verdadeiras sumidades, muitos membros dessas associações não passam de autênticos lobisomens de academia”.

Edgar Morin, citado pelo desembargador Newton de Lucca, no seu indispensável livro Da ética geral para à ética empresarial, alerta: “É preciso, agora mais do que nunca, refundar e divulgar o comportamento ético por parte de todos, seja do indivíduo, seja das empresas, seja do Estado, seja de toda a comunidade. A crise ética da nossa época é, ao mesmo tempo, crise da religação indivíduo/sociedade/espécie. Importa refundar a ética; regenerar as suas fontes de responsabilidades... Essa regeneração pode partir do despertar interior da consciência moral, do surgimento de uma fé ou uma esperança, de uma crise, de um sofrimento, de um amor e, hoje, do chamado vindo do vazio ético, da necessidade que vem da deterioração ética”.

Para finalizar, cito uma reflexão de Edmund Burke: “Para que o mal triunfe, basta que os bons cruzem os braços”.

*Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ), do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp) e membro do Conselho de Ética da Presidência da República

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