Opinião

Artigo: Os riscos dos cigarros eletrônicos: inofensivos ou traiçoeiros?

Correio Braziliense
postado em 15/01/2020 04:43
O ano de 2019 foi marcado pelo surgimento de uma nova doença pulmonar grave: a lesão pulmonar associada aos cigarros eletrônicos, conhecida em inglês como Vaping-associated pulmonary injury (Vapi). A doença apresenta-se com sintomas respiratórios em 98% dos casos (falta de ar em 87%, dor no peito em 55%, tosse em 83% dos pacientes) e tem curso grave, podendo levar à morte. Desde o início do surto que acometeu os Estados Unidos no meio do ano, mais de 2500 pacientes foram hospitalizados e 55 mortes relacionadas ao uso de cigarros eletrônicos, segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention – CDC (Centro de Controle de Doenças norte-americano, equivalente à Anvisa no Brasil).

A chegada dos cigarros eletrônicos (e-cigarettes), considerados seguros por muitos e uma solução para o vício do tabagismo por alguns, trouxe mais promessas do que fatos. E um risco oculto. Há muito se sabe que esses cigarros, populares entre jovens americanos, não são seguros. O usuário é exposto a uma série de substâncias altamente tóxicas ao organismo: desde metais pesados, compostos orgânicos voláteis, metano e o perigoso acetato de vitamina E. A quantidade de cada substância tóxica produzida e consequentemente absorvida pelos pulmões dos usuários varia de acordo com o tipo de cigarro. Alguns cigarros ainda trazem aromatizantes para incentivar o uso, com mais produtos químicos e seus efeitos desconhecidos ao organismo.

A promessa de que seriam uma alternativa ao tabagismo também carece de fundamentos científicos. O efeito primordial do cigarro eletrônico é entregar nicotina, que é uma droga com efeito de vício intenso. Esse marketing foi bem sucedido, de tal forma que os novos e-cigarettes ultrapassaram os tradicionais entre os jovens naquele país, muito dos quais nunca fumaram. Somente entre 2017 e 2018, o uso desses dispositivos aumentou de 10% para 28% entre jovens norte-americanos.

No Brasil, temos visto um declínio progressivo no tabagismo (cigarro tradicional), decorrente de inúmeros fatores, entre os quais campanhas governamentais, limitação nas propagandas desses produtos, maior informação da população a respeito dos riscos. Hoje cerca de 10% da população é tabagista ativa; os cigarros eletrônicos ainda não são permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar disso, eles estão entre nós. Eles chegam no Brasil importados e vendidos em sites e redes sociais. Os preços são bem elevados, se comparados ao seu concorrente tradicional, o que talvez sirva como manobra de marketing, que atrai grupos mais selecionados da sociedade, como uma forma de demonstrar status. Não é raro ver jovens usando-os em bares, restaurantes e boates nas grandes cidades brasileiras. A diversidade de sabores desses dispositivos também é um atrativo: menta, frutas, chocolate e muito mais. Um dos maiores riscos está no fato desses dispositivos serem vendidos no mercado paralelo, sem qualquer indicação de quais produtos foram adicionados, incluindo THC (tetrahydrocanabinol), composto encontrado na maconha.

O surto que ocorreu nos Estados Unidos está apresentando leve redução no número de casos novos. Mas dados alarmantes chegam a cada dia. Trata-se de um nova doença, muito grave, com necessidade de UTI com suporte avançado. O que chama a atenção dos especialistas é a velocidade com que a lesão pulmonar é apresentada. Enquanto são necessários vários anos, por vezes décadas, de uso do cigarro tradicional para apresentação de lesão pulmonar, o uso de e-cigarettes por 90 dias já seria suficiente para desencadear doença em alguns pacientes.

O CDC preconiza que não sejam utilizados cigarros eletrônicos com THC e que não sejam adicionados acetato de vitamina E aos seus compostos. Não se preconiza o retorno ao uso de cigarros, mas interromper ou reduzir o tanto quanto possível o uso de e-cigarettes.

Não há tratamento conhecido para a Vapi. Há apenas terapia de suporte, muitas vezes com necessidade de ventilação mecânica (aparelho que ajuda o paciente a respirar, por meio de um tubo na traqueia) e uso de altas quantidades de oxigênio. A melhor forma é evitar o uso desses dispositivos. O tema tem alcançado a mídia, mas o alarde é muito maior nos Estados Unidos. Por aqui ainda parece uma doença rara, que acomete um país distante. Mas como aconteceu com a fumaça do cigarro eletrônico, rapidamente chegará aqui. E isso não é inofensivo.

*Intensivista do Hospital Brasília e ICDF

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