Correio Braziliense
postado em 16/01/2020 04:05
Conversando com um amigo que é servidor graduado do Executivo, há poucos dias, toquei no assunto dos aumentos salariais para o funcionalismo, em 2020. Disse-me que existe um “desestímulo generalizado” na sua carreira e que, caso o governo federal não leve a sério a questão, vem greve por aí, a partir de março. Como temos excelente relacionamento, resolvi dizer a ele (e reproduzo parte aqui) o que penso. Lembrei-lhe que haveria alguma razão na reivindicação, não fosse por um detalhe: o Brasil tem, hoje, mais de 12 milhões de desempregados, gente que enfrenta mais de 24 horas numa fila para entregar currículo se candidatando a qualquer coisa.
Continuei, porque tenho a certeza de que meu raciocínio não é binário — é a dura realidade. A imprensa publica reportagens, quase semanalmente, mostrando pessoas que chegam um dia antes de os portões abrirem para estarem entre as primeiras da fila, e serem atendidas por um recrutador. Disse que acho inacreditável que o umbigo do servidor seja tão profundo que não consiga olhar para fora dele.
O funcionalismo se fia em algumas prerrogativas para fazer toda a sociedade refém de uma greve. Ainda que hoje não haja aquela estabilidade de outros tempos, continua sendo um processo complexo demitir um servidor, que, habitualmente, só é exonerado quando comete uma falta gravíssima — corrupção, advocacia administrativa, roubo ou coisa do gênero. Ineficiência não leva ninguém para a rua.
A cabeça do funcionalismo, e aqui falo dos três níveis de administração pública, está em total descompasso com a necessidade do país, para hoje e para amanhã. Impossível não generalizar, porque, mesmo servidores capazes são tragados por uma corrente que não abre mão de manter hábitos medíocres. O todo contamina a parte.
Não sou da corrente que prega que se deve diminuir o serviço público ao mínimo. Para um país do tamanho do nosso, com essa quantidade brutal de carências, não apenas é impossível, mas trata-se de um conceito obtuso. Além disso, é preciso reconhecer que há cabeças formidáveis no funcionalismo, estudiosos de primeira linha, intelectuais que realmente pensam o Brasil. Desprezar esse conhecimento é coisa de nação atrasada.
Mas um movimento de faca no peito, quando o país ainda luta para sair do atoleiro que a irresponsabilidade de uma política econômica de nível escolar nos jogou, soa como insensibilidade com uma massa de trabalhadores (não vou discutir qualificação; meu foco é somente a capacidade de sustentar um lar ou a si mesmo com o mínimo de dignidade) que daria tudo para estar empregada.
E soa como escárnio quando alguém diz que está “desestimulado”. Como, se todo final de mês o salário cai na conta, com chuva ou com sol? Como, se o funcionalismo tem benefícios que para a maioria dos trabalhadores brasileiros é negado? Lanço o desafio: quem estiver insatisfeito, peça exoneração e venha para o lado de cá. Veremos se a cabeça e a postura não mudam.
Sabe o que “estimula” o trabalhador da iniciativa privada? Agradecer a Deus, todos os dias, por estar fora das estatísticas de desemprego.
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