Opinião

Artigo: Privacidade digital, impactos e efeitos colaterais

Correio Braziliense
postado em 17/01/2020 04:15

Edward Snowden foi protagonista de um dos maiores escândalos da era moderna, ao denunciar o esquema de vigilância global da Agência de Segurança Nacional norte-americana nos idos de 2013. Três anos depois, Brittany Kaiser foi um dos pivôs do caso da Cambridge Analytica, ao relatar a coleta e o uso de dados de usuários do Facebook na campanha que elegeu Donald Trump. Ambos os escândalos impulsionaram a polêmica sobre privacidade digital. Os dois personagens ressurgem agora como gurus da proteção de dados em um debate em escala global — que acontece às vésperas da adoção da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Brasil.


Dados são um dos recursos mais valiosos do planeta. Estratégicos para vencer a próxima guerra, que, em vez de ser travada nas trincheiras em campo aberto, tem como cenário o mundo digital. Esses dados alimentam algoritmos, que têm o potencial para mudar o mundo como o conhecemos hoje. As principais forças desse embate são conhecidas: China e Estados Unidos. A pergunta que se impõe nesse cenário é se a corrida pela implantação de medidas de proteção de dados pode pender a balança de um lado e para o outro.

Nesse contexto polarizado, um lado segue na tentativa de regulamentar um mundo aparentemente irrefreável, na esperança de proteger a própria democracia, com leis e normas que devem ser observadas por todos e que visam proteger nome, dados sobre renda, localização, e-mail ou qualquer outra informação que permita identificar uma pessoa.

Em direção contrária, em outros países, o governo tenta exercer o máximo controle possível, impondo o que começa a ser chamado de “soberania digital”. Esse monitoramento envolve dados de reconhecimento facial, informações médicas e acadêmicas e operações financeiras. É por onde a China avança, ganhando um corpo de vantagem.

Então, o que vemos é um claro efeito colateral desse esforço para impedir a erosão da confiança na democracia, ao oferecer uma vantagem competitiva a quem opera em uma lógica diferente do Ocidente. Esse cenário promete não apenas acirrar essa batalha, mas especialmente desequilibrar a balança em favor da Ásia, onde alguns governos têm acesso irrestrito a qualquer tipo de dados, sem ter que prestar contas para a sociedade. Se lembrarmos que inteligência artificial tem em sua base os dados que fazem seus algoritmos funcionarem na lógica de quanto mais melhor, podemos ter uma ideia da vantagem que estão pavimentando.

A mais de 10 mil quilômetros de distância do Vale do Silício, gigantes como Alibaba (e-commerce), Tencent (social media) e Baidu (mecanismo de busca online), que dominam o mercado nacional, avançam para além da muralha, ocupando o topo do ranking da lista de empresas mais valiosas do mundo. Ao lado dos tradicionais gigantes americanos como Amazon, Apple, Google, Microsoft e Facebook.

Do lado de cá do globo, esse movimento tem alavancado todo um novo segmento de mercado, no qual advogados, auditores e toda uma gama de profissionais oferecem consultoria em privacidade, a exemplo de Edward Snowden e Brittany Kaiser.

Um fenômeno que também se nota no Brasil, onde a LGPD entra em vigor em agosto de 2020, nos moldes do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da Europa (GDPR, do inglês General Data Protection Regulation), aprovado em 2016. A lei europeia se transformou no novo padrão-ouro, em um efeito dominó, com um país após o outro adotando legislações semelhantes. Impossível prever o futuro, mas o presente se parece muito com uma encruzilhada. Afinal, por mais bem-intencionada que seja, um conjunto de normas e regulamentações não funcionará como um GPS para o caminho do bem da Era Digital. E, em contrapartida, a gestão da informação online, que parece fazer-se necessária para salvaguardar certas práticas predatórias, pode implicar uma nova liderança global da revolução tecnológica.
 
*Professor de marketing digital da Fundação Getulio Vargas

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