Opinião

O Congresso e a segurança: um retrato de quatro anos

Correio Braziliense
postado em 18/01/2020 04:13
O Instituto Sou da Paz concluiu recentemente uma série de análises da produção legislativa do Congresso Nacional para identificar como os parlamentares tratam um tema de absoluta relevância para os eleitores: a segurança pública. Com a publicação da última edição do estudo, completamos a verificação de toda a 55ª Legislatura, entre 2015 e 2018.

O que vimos foi a consolidação de determinadas tendências. Primeiramente, os principais temas abordados pelos projetos que tratam da segurança pública. Em regra, o parlamentar, ao apresentar um projeto de lei para coibir a violência, busca a solução no poder punitivo do Estado. A criminalização de condutas e o aumento de penas para condutas já criminalizadas correspondem a 35,4% de todos os projetos apresentados na Câmara e 38,4% daqueles apresentados no Senado no período.

Medidas estruturantes para o enfrentamento da criminalidade, como alterações substanciais na atual e fracassada política de drogas e o aperfeiçoamento do controle de armas e munições no país são minoritários e, quando abordados em geral, vão no sentido oposto ao que indica o melhor conhecimento científico acumulado. Sobre armamento, por exemplo, mais de 72% dos projetos de lei apresentados na Câmara tinham por objetivo facilitar o acesso a armas de fogo.

Outra tendência identificada foi a dimensão corporativa dos projetos de lei que tratam das polícias, a partir de projetos que buscaram conceder benefícios específicos a determinadas categorias policiais, em prejuízo daqueles que propõem a reforma do modelo de policiamento, aprimorem o processo de investigação e fomentem a integração e cooperação entre as forças policiais. Os projetos que tratam da atividade policial correspondem a 8,2% de todos aqueles apresentados na Câmara durante a última legislatura, mas 69% deles tratam de temas corporativos ou benefícios a policiais. Questões estruturais, como o financiamento da segurança pública e a prevenção ao crime também restam minoritários.

É também relevante a concentração dos parlamentares que atuam no tema: em média, apenas 39% dos deputados e 48% dos senadores apresentaram ao menos um projeto sobre segurança pública. Por outro lado, somente 20 deputados apresentaram aproximadamente 41,5% dos projetos no período. Muitas vezes, trata-se de parlamentares com origem em carreiras policiais, com efeitos eleitorais claros: no pleito de 2018, o número de deputados ex-policiais eleitos saltou 284%, atingindo 73 deputados federais.

Ainda mais importante para sociedade do que a compreensão das propostas legislativas, é a produtividade final do processo, ou seja, as leis que efetivamente passaram a vigorar. Desde 2015, de um total de 812 leis foram sancionadas, embora pouco mais de 9% tratam de segurança pública e justiça criminal. Um detalhe relevante para a compreensão do sistema é a origem das propostas sancionadas: praticamente 1/3 delas não deriva de projetos de deputados e senadores, mas sim do Poder Executivo, sejam Medidas Provisórias, sejam projetos de lei encaminhados pela Presidência. Vislumbra-se uma ampla incidência do Poder Executivo sobre o Legislativo, que embora apresente muitas propostas, torna lei uma ínfima parte das proposições que analisa.

As tendências que identificamos no período eleitoral anterior se confirmam com as ações do novo governo eleito, cuja grande aposta para a melhoria da segurança pública é o dito pacote “anticrime” do ministro Sergio Moro. Mais uma iniciativa legislativa com origem no Poder Executivo que, de alguma forma ainda não compreendida, irá apresentar resultados diferentes apostando nas mesmas soluções que adotamos há décadas. Com a primazia da solução punitiva sobre remédios estruturais, o resultado foi uma explosão da população prisional da ordem de 294% entre 2000 e 2016, e os sucessivos massacres carcerários causados por facções criminosas em processo de metástase.

O novo Congresso vai buscar soluções inovadores apoiadas no melhor trabalho policial, na prevenção de delitos e circunscrever a sanha vingativa aos criminosos realmente perigosos? Esperamos que em 2022 possamos responder sim a todas estas perguntas, o que significará — ao fim e ao cabo — que centenas de milhares de vidas não foram perdidas. Ainda há tempo.


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