Opinião

De volta ao terror

Correio Braziliense
postado em 21/01/2020 04:08
O nazismo começou na Alemanha como consequência de um desespero, precisamente um desespero econômico vivido pelo Estado alemão, fruto das consequências da guerra, do armistício extremamente desfavorável ao país (acordo para encerrar a 1ª Guerra Mundial) e também a crise de 1929 (quebra da bolsa de valores de Nova York), que afetou o mundo todo. Tudo isso gerou graves consequências econômicas e sociais na Alemanha, como foi o caso da inflação estratosférica, alto nível de desemprego, fome, miséria.

O povo estava tão carente, tão necessitado, tão faminto, que resolveu ceder aos poucos a um lunático que prometia reverter a situação, defendendo um nacional-socialismo que, no fundo, significava uma ditadura de direita. Hitler soube entrar na alma do povo alemão, ouviu seu choro, suas necessidades, seu sentimento de orgulho ferido e vontade de vingança. Hitler fomentou, incentivou tudo isso. Mesmo preso, escreveu sua obra Mein Kampf (Minha luta), que esmiúça em detalhes o sentimento e o plano do ditador. Ele era contra os países que derrotaram a Alemanha, mas também contra judeus, homossexuais, ciganos, eslavos e tudo que julgava como obstáculo para seu plano de “devolver a glória e o esplendor” da Alemanha.

Hitler subiu ao poder em janeiro 1933, e uma de suas primeiras medidas foi mandar atear fogo no Reichtag em 27 de fevereiro de 1933 (parlamento alemão), colocando a culpa nos socialistas/nos esquerdistas (enfim, “nos esquerdopatas”). Para resolver a questão do desemprego, Hitler quebrou cláusulas do armistício e voltou a militarizar a Alemanha, produzindo material bélico (tanques e armas), empregando a população alemã, usando o Estado como interventor na economia para resolver os problemas, cada vez mais aumentando o tamanho do Estado e centralizando as decisões.

A oposição se desmantelava gradualmente e o povo se rendia às novas conquistas econômicas da Alemanha (inflação controlada, pleno emprego, recuperação da renda e do poder de compra da população). Paralelamente a tudo isso, Hitler utilizava-se da propaganda comandada por Josef Goebbels (uma espécie de ministro da Cultura de seu tempo), que, sob a autoridade do líder, prometia um futuro glorioso para a Alemanha, inclusive na supremacia cultural conectada com a supremacia da raça ariana (“a raça pura da Alemanha”).

A ditadura de Hitler deu início à perseguição, principalmente aos judeus, bem como a homossexuais, ciganos, eslavos, tomando-lhes os direitos, as propriedades e cada bem que possuíam (de joias a sapatos), jogando-os em campos de concentração para serem explorados na produção de mais equipamentos bélicos até não aguentarem mais. Por fim, descartava-os como lixo humano (se é que se pode utilizar a palavra humano para qualificar a palavra lixo) nas câmaras de gás, além de serem previamente torturados, fora outros métodos de terror empregados pelo regime.

Quando estive na Alemanha fazendo meu intercâmbio todo pago com recursos do governo alemão (bolsa que ganhei do Daad, espécie de agência de intercâmbio do governo), espantava-me muitas vezes com as perguntas dos estudantes aos professores sobre os horrores da ditadura nazista. Mais impressionado ficava quando os professores respondiam com naturalidade e sem rodeios. Diziam que não podiam ignorar o que aconteceu e que era bom quando perguntavam, pois o que aconteceu não pode nunca ser esquecido, para que nunca mais se repita. Como eu aprendi com eles!

Vejo no Brasil de hoje muitas semelhanças com a Alemanha daquela época, como é o caso do preconceito a homossexuais, mulheres e índios, o abuso da autoridade, como o desrespeito a jornalistas, o uso de pseudo-argumentos, como a questão ambiental, para muitas vezes tirar o foco da população, a corrupção velada e escondida travestida de honestidade, o culto ao líder, a negação da intelectualidade e o descaso com a leitura, a negação da filosofia e da sociologia, a promoção de uma “cultura” machista, opressora, contra as minorias com promessas em forma de esperanças irrealizáveis.

Ao ler jornal de 17 de janeiro de 2020, me deparei com a seguinte afirmação do sociólogo José de Souza Martins: “Ler é essencial para formar a consciência social, e é o instrumento mais importante e decisivo da liberdade e da democracia. A ignorância politicamente provocada é antidemocrática e fascista. Não é casual que quem se opõe à abundância das palavras nos livros também aplauda a tortura e os torturadores e aplauda a ditadura”.

Até quando o povo brasileiro vai assistir a essa missa do terror, sendo complacente com os ataques à democracia, aos direitos humanos e à ciência, em troca de “uma vida melhor” em forma de um prato de comida (melhora dos indicadores econômicos)? Será que a sobrevivência econômica justifica tudo isso? Será que Maquiavel estava mesmo certo ao dizer que os fins justificam os meios? Eu não quero e não posso acreditar nisso.

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