Opinião

Artigo: O coronavírus e a economia

Correio Braziliense
postado em 29/01/2020 04:06
O ano mal começara quando os Estados Unidos (EUA) atacaram e mataram o general Qasem Soleimani, comandante da Guarda Revolucionária do Irã. Os mercados reagiram de pronto: o preço do petróleo disparou, as bolsas despencaram e as moedas de países emergentes desvalorizaram. Em que pese a significância do evento, minha avaliação à época, que se mostrou correta, foi que os impactos sobre a economia seriam breves e pouco significantes. Isto pois, apesar de sempre poder haver acidentes nesse tipo de situação, o cenário mais provável era que os EUA e o Irã não escalassem o conflito, pois isso não interessava a nenhum dos dois.

O mês nem acabou, e o mundo é outra vez sacudido por um evento momentoso: o surgimento do coronavírus. Como no conflito entre EUA e Irã, os mercados financeiros têm reagido com força: as bolsas e o preço do petróleo despencaram, as moedas de emergentes se desvalorizaram e os títulos públicos de países como EUA e Alemanha subiram de preço. Neste caso, porém, é mais difícil fazer previsões sobre até aonde irá a reação desses mercados e quanto e por quanto tempo a economia mundial vai sofrer.

O coronavírus, aparentemente, surgiu no início de dezembro passado, no mercado de carnes exóticas de Wuhan, uma cidade de 10 milhões de habitantes na China, um país onde se aprecia pratos diferentes, como sopa de morcego, carne de rato, cobra e civeta, por exemplo. Registre-se, porém, que há quem coloque essa origem em dúvida.

O vírus gera uma doença respiratória que pode ser mortal. Ele segue se alastrando, e o número de pessoas infectadas não para de crescer. Na segunda à tarde, quando escrevi este artigo, eram quase 3 mil pessoas diagnosticadas com o vírus, 35 das quais fora da China. No todo, 81 pessoas haviam morrido. Esses números têm aumentado velozmente: para quem tiver interesse, o FT mostra o avanço temporal e geográfico desse processo (https://on.ft.com/2RSh0sV).

Os prognósticos não são bons. O coronavírus é altamente transmissível entre pessoas: a sua taxa de reprodução é de duas a quatro pessoas para cada indivíduo infectado. Alguns especialistas preveem que o número de pessoas infectadas pode chegar a 190 mil até 4 de fevereiro — daqui a seis dias, portanto (ver https://on.ft.com/2O4q7FO).

Trata-se de uma crise de saúde pública que vai afetar negativamente a economia mundial. Alguns impactos já parecem dados. Assim, neste começo de ano, o PIB da China deve ter um desempenho muito fraco, o setor aéreo deve registrar forte queda de atividade, e a indústria automobilística, que teve um péssimo 2019, deve ser negativamente afetada, pois várias fábricas de automóveis utilizam peças produzidas em Wuhan. Além disso, as vendas devem cair na China, o maior mercado de automóveis do mundo.

Esse quadro deve reduzir significativamente a demanda por transporte, especialmente aéreo. Na China, a população da província em que fica Wuhan está em uma espécie de quarentena, proibida de viajar para fora das suas cidades. O governo chinês também proibiu viagens em grupo dentro e para fora do país. Diversos países estão recomendando a seus cidadãos não viajar para a China. Mas, para lá das proibições e recomendações, muitas pessoas devem preferir não viajar até entender melhor para onde a coisa vai.

Além do setor de transporte, as áreas de turismo, entretenimento — cinema, restaurantes, cassinos, parques temáticos etc. — e de produtores de itens muito consumidos pelos chineses – de minério de ferro a produtos de luxo – vão ser negativamente impactados.

No todo, muito vai depender de se a doença ficará concentrada na China, ou se espalhará de forma significativa por outros países. A primeira alternativa parece a mais provável neste momento. Além disso, o impacto econômico dependerá de quanto tempo vai levar até que se controle a doença. As primeiras estimativas são de que uma vacina pode estar disponível dentro de uns seis meses.

As indicações são, portanto, de que o coronavírus vai prejudicar o desempenho da economia mundial no primeiro trimestre — e, potencialmente, também no segundo — de 2020, freando um pouco da recuperação em curso. Nesse sentido, uma questão que se coloca é em que medida essa crise pode frustrar, mais uma vez, as expectativas de uma retomada mais forte da economia brasileira, como aconteceu nos últimos anos, em que diferentes choques colocaram por terra as previsões otimistas de início do ano. Acho cedo para dizer, mas é sem dúvida um risco que cabe monitorar.

*Coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/URFG

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